quinta-feira, novembro 06, 2014

Doloroso e Simples


A questão da expulsão de magistrados portugueses de Timor é dolorosa na sua simplicidade.
Dolorosa porque embora Timor fosse o ponto mais remoto do antigo "Império" , e durante muito tempo quase esquecido por Lisboa, a verdade é que desde a ocupação indonésia em 1975 os laços entre Timor e Portugal reforçaram-se significativamente graças à forma como Portugal nunca deixou cair a solidariedade com a sua antiga colónia.
E não fossem os esforços diplomáticos constantes do nosso país, especialmente no ultimo governo de Cavaco Silva (com Durão Barroso como ministro dos Negócios Estrangeiros)e nos governos de António Guterres, e nunca Timor se teria visto livre do jugo indonésio.
E aqui cabe relembrar a solidariedade , nas ruas, de milhões de portugueses depois do massacre no cemitério de Santa Cruz.
E por isso tudo que diz respeito a Timor toca-nos particularmente.
E daí a "dor" por esta insólita expulsão de alguns magistrados portugueses que se encontravam em Timor no âmbito de um programa de cooperação na área da Justiça.
Expulsão pura, dura e apressadissima e não o que seria normal , se o seu trabalho não estivesse a agradar ou as autoridade timorenses o dessem como concluído, que seria a não renovação do programa de cooperação.
E aí entra a simplicidade.
Porque dando de barato que o trabalho não estaria concluído (em dez anos não se constrói um sistema judicial a partir do mais absoluto zero que foi como a Indonésia deixou Timor) então a única explicação para a sua saída (sendo patética a "justificação do governo de Xanana de que era a soberania que estava em causa)é mesmo o trabalho que estavam a desenvolver e que estaria a incomodar ao mais alto nível.
Sabendo-se que estavam a colaborar na investigação a oito(!!!) ministros do governo timorense por corrupção, e que precisamente no dia da expulsão a ministra das finanças seria a primeira a sentar-se no banco dos réus (num tribunal presidido por um juiz português), percebe-se a pressa na expulsão e no adiamento" sine dia" do julgamento.
Como diz uma pessoa minha amiga, profunda conhecedora da realidade de Timor-Leste, havia um Xanana antes do petróleo e agora há um Xanana com petróleo!
O resto são tretas.
E é pena.
Mas, infelizmente, nem todos os que lutaram pela liberdade nos seus países nasceram para serem como Nelson Mandela.
Esse foi único!
Depois Falamos.

P.S. O governo português mandou regressar todos os magistrados envolvidos no programa de cooperação que não tinham sido alvo da ordem de expulsão.
Fez bem.
Não podia ter feito outra coisa para salvaguardar a nossa dignidade enquanto país.

4 comentários:

Anónimo disse...

É normal haver um elevado índice de corrupção em Timor Leste, Sr. Luís Cirilo. Para os grandes grupos económicos com interesse no petróleo, é a maneira mais rápida de granjear amizades duradouras, pelo menos até o dinheiro acabar.
Os magistrados portugueses deveriam ter-se pautado por uma política de tolerância a estas práticas ancestrais enquanto os dois países pudessem estreitar e solidificar os seus laços de cooperação. No final, os magistrados acabaram por ser vítimas da sua esfera de competências quando a cooperação que lhes competia seria de supervisionar ou colaborar em vez de agir como se estivessem em solo português.
De acordo com os dados da Tranparency International, Timor Leste é o 113ª País menos corrupto e Portugal ocupa a 33ª posição. Imagine-se o Ronaldo a ser contratado para ensinar a jogar futebol no Brasil. Qual é a vantagem para uns e para outros? Amigo que empata amigo, não é amigo.
Estranha-se como foi possível Portugal disponibilizar tanto magistrado para a ensinar um país a ser menos corrupto quando o problema caseiro ainda está longe de ser resolvido. A única explicação que ocorre talvez seja o déficit de massa cinzenta em Timor-Leste. Nesse caso, qualquer país ocidental sabe que uma das formas de controlar a soberania nacional de outro com menor dimensão é fazê-lo através do seu poder judiciário. É um processo lento com reduzida taxa de sucesso porque é sempre posto em causa sempre há mudanças de políticas e de governos.
Apenas se passaram 12 anos desde a Independência de Timor-Leste dos indonésios, Sr. Luís Cirilo. Quer pelo meio haja corrupção ou não, e o mais certo é que haja mesmo, ninguém gosta de ver outros a mandar na sua própria casa.
A ministra da Justiça tem de encarar Timor-Leste como um País independente e não como uma colónia. A esta hora está uma longa fila de interessados à espera de entrar para o lugar deixado vazio pelos portugueses. Em vez de agudizar ainda mais a situação, Portugal deveria enviar a Timor alguém com o perfil ponderado e de Estado como Cavaco Silva para resolver e ultrapassar esta divergência que é bem mais simples do que parece.

Quim Rolhas

luis cirilo disse...

Caro Quim Rolhas:
Desta vez não estamos de acordo. Porque os magistrados tem de ter como regra fundamental o cumprimento da lei. Percebo o seu ponto de vista no âmbito de uma "realpolitik" entre Estados, em que os interesses económicos mandam, mas face ao principio da absoluta separação de poderes os magistrados não podiam fazer outra coisa. Porque foram para Timor precisamente para ajudarem a montar um sistema judicial justo e isento. Aguardemos pelos próximos capitulos

Anónimo disse...

Desconfiei que o Sr. Luís Cirilo tivesse ficado avesso à minha análise pela demora em responder. Tudo bem. Compreendo a engrenagem política do seu raciocínio, mas no terreno a realidade é bem diferente.
De facto, é uma situação incómoda para os dois lados que só realça o zelo e o cumprimento da lei dos nossos magistrados na condição de emigrantes. O que se passou é menos incómodo para Portugal do que as relações bilaterais constrangedoras que o Portugal socrático desenvolveu com Hugo Chávez e Gaddafi. Também não me custa nada reconhecer isso.
Também ouvi, já esta noite, a parca opinião do seu colega Marques Mendes a propósito do comportamento do primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, classificando-o de 'ditadorzeco'. Não acho nada disso. Xanana é amigo e gosta de Portugal e quando "entendeu" ser o momento de puxar pelos galões, fê-lo sem hesitar para travar um processo que podia lesar ainda mais o Estado timorense, entende ele com o estatuto que tem. Também não terá a razão toda ou ainda só explicou pela metade.
Em tudo há sempre um ponto de partida para avançarmos para a resolução de uma crise diplomática. Timor é seis vezes menor do que Portugal, um milhão de habitantes, calor infernal e uma pobreza extrema. Vive-se bem neste paraíso durante 15 dias, mas depois chateia viver no meio de gente que não fala a mesma língua e que olha para nós como se estivéssemos ali a ocupar o lugar deles.
O presidente e o primeiro-ministro são dois ex-guerrilheiros das FALINTIL e por isso desenvolveram estratégias de defesa e ataque com uma mentalidade de guerrilha do mato para o qual o Governo português ou os seus magistrados não estavam preparados.
Julgo que ninguém põe em causa a competência ou a eficácia dos magistrados e do Governo português à volta deste caso que poria a nu um caso de corrupção.
O que não se deve é fazer o que nos apetece, mesmo que isso seja correto, quando somos convidados para ir à casa dos outros, impondo leis ou resoluções que não se adequam à dimensão daquele território.
Vamos aguardar, como o Sr. Luís Cirilo diz, para venha à luz do dia um esclarecimento mais exaustivo do que aquele que temos.

Quim Rolhas

luis cirilo disse...

Caro Quim Rolhas:
Apenas uma nota quanto a comentários televisivos. Creio que Marcelo esteve bem melhor ao dizer que um dos erros deste processo foi por magistrados portugueses a julgarem processos timorenses. E desse ponto de vista até posso perceber algum desconforto do governo timorense. Acontece que foi de comum acordo que isso aconteceu e portanto todo o processo está inquinado desde o inicio. Xanana pode não ser um ditadorzeco como diz MM mas agiu como tal. Porque não se expulsam pessoas de bem. E foi o que Timor fez com cooperantes portugueses.