O meu artigo desta semana no zerozero.
Os mais antigos e tradicionais clubes desportivos em Portugal, muito
especialmente os que se dedicam à prática do futebol, nasceram num contexto que nada tem a ver com a
realidade que hoje existe no nosso panorama desportivo.
Uns já centenários, outros muito perto disso e outros ainda já com
largas décadas de actividade, foram fundados por grupos de amigos que se
juntavam em bancos de jardim, em farmácias,em estabelecimentos comerciais ou
noutros lugares e que fruto da paixão pelo futebol e pelas notícias que dele
iam tendo provenientes de Inglaterra (onde ele nasceu) decidiam fundar clubes
para se poderem entregar a essa prática.
Pagavam os equipamentos,organizavam os jogos, disputavam-nos em campos
improvisados e assim se foi fazendo o caminho da modalidade no nosso país num
cenário de amadorismo que apenas o passar dos anos permitiu evoluir para outros
patamares organizativos.
Um cenário em tudo diferente, como está bom de ver, daquele que existe
hoje em que os clubes se encontram subalternizados face à aparição das SAD que
são quem de facto manda no futebol.
Mas se olharmos para os principais clubes portugueses (Vitória,
Sporting,Académica,Benfica, Belenenses,Braga,Porto, Boavista, Marítimo,
Setúbal) constatamos que antes do aparecimento das tais SAD já existia uma rica
e diversificada História de cada um deles e palmarés que sendo também muito
diferentes face à dimensão de cada um sustentavam um percurso de que nenhum se
deve envergonhar.
E essa História e esses palmarés desses dez clubes (para mim os
maiores de Portugal com licença de todos os outros) não se construiram apenas
com os resultados no futebol mas também com base no seu ecletismo, nas suas
modalidades amadoras e depois profissionais, com base na paixão e entusiasmo
dos seus adeptos.
É sabido, pelo menos por aqueles que se interessam por estudar a
História do nosso Desporto, que um dos principais factores de crescimento e
adesão popular dos três maiores clubes portugueses foi o facto de durante
largas décadas do século passado terem a modalidade de ciclismo que num tempo
em que não havia televisão (e depois havendo dava ainda os primeiros e
incipientes passos) e a imprensa desportiva não era nada do que é hoje os
ciclistas levavam pelo país fora as camisolas desses clubes, em despiques que
ficaram famosos como os de Alfredo Trindade com José Maria Nicolau ou de
Joaquim Agostinho com Fernando Mendes, fidelizando para os respectivos clubes
muitos e muitos adeptos.
E por isso me refiro neste texto de hoje à importância do material e
do imaterial na História dos clubes portugueses.
Separando de forma clara ambas as realidades.
Porque quanto ao material ninguém tem dúvidas.
Os clubes construiram estádios, pavilhões , piscinas, pistas de
ciclismo (Antas e Alvalade tiveram famosas pistas em redor do relvado até à
década de 70 do século passado) e posteriormente complexos desportivos.
Os clubes tem salas de troféus onde guardam as suas taças, as suas
medalhas, os seus troféus conquistados ao longo de muitos anos e que são a
prova palpável da dimensão do clube e da
riqueza do seu palmarés.
E isso é a parte material da sua História.
Depois há o resto.
A paixão dos adeptos, as histórias que se transmitem de geração em
geraçao dos grandes momentos dos clubes mas também de momentos anedóticos e
histórias pitorescas, as memórias dos grandes jogadores, dos grandes jogos, dos
treinadores de excelência e dos dirigentes que marcaram épocas.
Sem esquecer as lendas que tanto enriquecem o imaginário dos adeptos.
E essa é a parte imaterial da História de cada clube.
Que pertence ao clube e a todos os seus adeptos,sem excepção,e que é
fundamental, tanto como a parte material diria, na construção da identidade dos
clubes, na fidelização dos seus adeptos, no passar do sentir clubista de pais
para filhos ao longo de sucessivas gerações.
E é muito importante que isso não seja subalternizado ou, pior ainda,
esquecido.
Porque vivemos hoje tempos de materialismo, de predominância dos
factos sobre as convicções, de uma subordinação do fervor clubístico aos
ditames económicos de vária ordem, de uma subalternização da História colectiva
às personalidades individuais que em cada momento dirigem os clubes.
E isso leva a distorções perigosas.
Ao ponto de por vezes parecer que alguns dirigentes consideram que os clubes/SAD
só existem desde que eles existem como dirigentes, de parecerem pensar que os
clubes são deles e deles podem dispor, de agirem como se o material e o
imaterial fossem propriedade sua.
Nada de mais errado.
Mas também nada de mais perigoso!
Porque no dia em que os adeptos sentirem que já nada nos clubes é seu
(porque nalgumas SAD há muito que deixou de ser), e que o seu amor e paixão
servem apenas para sustentar quem por eles não tem o respeito devido, então é
de recear que o inevitável afastamento dos adeptos acabe por ditar o fim dos
clubes.
E este sendo um cenário indesejável, e a evitar a todo o custo, não
deixa por isso de ser um cenário possível face aos caminhos que algum dirigismo
desportivo português insiste em querer trilhar!
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