quarta-feira, janeiro 08, 2020

Política e Futebol

A convite do Vasco Rodrigues publiquei este artigo em "A Economia do Golo"

A política existe, enquanto actividade social ,desde que existe a raça humana enquanto que o desporto mais popular do planeta-futebol-existe desde o século XIX quando começou a ser regularmente praticado em Inglaterra país onde ainda hoje atinge a sua dimensão máxima enquanto desporto de multidões.
Quer na forma como é encarado pelos adeptos, quer na seriedade das competições que  lá se disputam, quer com o “fair play” e a verdade desportiva inigualáveis que o caracterizam.
São pois duas actividade tão antigas que é incompreensível que não sejam olhadas com a maturidade inerente ao longo tempo de prática , à necessária harmonização dos muitos pontos em que se cruzam e à experiência de coexistência que evidenciam.
E assim é em quase todo o lado, por maioria de razão em Inglaterra mas também na generalidade dos países europeus, sendo já poucos os casos em que o futebol e a política não conseguem viver em conjunto de forma minimamente harmoniosa.
Bastando para tanto que os decisores políticos respeitam totalmente a autonomia do futebol e os dirigentes do futebol não façam da modalidade uma catapulta para servir os seus interesses políticos.
Mas se assim é em quase todo o lado há sempre as excepções que confirmam a regra e que tem em Portugal (como não ?) um expoente de má convivência entre as duas actividades com atropelos em ambas as direções.
No típico farisaismo nacional, patente em tantas áreas mas especialmente acutilante quando se trata do futebol e da política, o mais comum é assistirmos aquele discurso supostamente moralizador vindo da política e que marca uma doutrina de incomunicabilidade entre as duas actividades pregando que política e futebol não tem que se misturar e que quem está num lado tem de se manter distante do outro.
Mas depois vem os triunfos das seleções, as vitórias em campeonatos nacionais (pouco importa o escalão) e até triunfos em competições europeias e lá vai a teoria com os dirigentes políticos, desde o Presidente da República ao mais humilde presidente de junta de freguesia, passando pelos omnipresentes presidentes de câmara ,a atropelarem-se para aparecerem ao lado dos vencedores e poderem também eles tirar umas selfies com quem ganhou e com  a taça ou medalha.
Aí nunca mais se lembram da teoria da absoluta separação entre política e futebol.
Já não dá jeito.
Mas se o atrás narrado pertence ao domínio do farisaico a seguir falaremos do preconceito.
Que é o de se considerar que nem os políticos devem falar de futebol nem os dirigentes do futebol devem pronunciar-se sobre questões políticas porque no primeiro caso podem acarretar impopularidades inconvenientes e no segundo podem aproveitar-se do protagonismo do futebol para poderem concorrência política aos que na política já estão.
É um preconceito baseado na (errada)convicção de que o povo não sabe distinguir as coisas e portanto não consegue colocar cada um na sua prateleira e da mistura resultante podem resultar graves inconvenientes para o país , quiçá a própria União Europeia e até o mundo por inteiro.
Ora isso não é verdade.
E pequena prova disso é o facto de gente que diaboliza o político André Ventura ande desde ontem à noite a santificar o comentador desportivo André Ventura provando que as suas opiniões até podem ser excelentes se proferidas num contexto que dê jeito...
Como, outro exemplo, é comum que alguns dos que teorizam sobre a necessidade de separar futebol e política sejam os mesmos que anualmente promovem nos restaurantes da Assembleia da República jantares dos presidentes de Benfica ,Porto e Sporting com os deputados afectos a esses clubes naquilo que é a mais evidente mistura entre política e futebol que se possa imaginar e que prova o quão preconceituoso o principio de facto é.
A não ser que, e desconfio bem disso, esse princípio dos políticos não deverem falar de futebol e os dirigentes desportivos não se deverem imiscuir em política se aplique apenas a dirigentes políticos e desportivos que não estejam ligados aos chamados “grandes” do nosso futebol e que portanto convenha manter o mais calados possível.
A mim, enquanto cidadão, contribuinte e adepto do Vitória Sport Clube nada me preocupa ver políticos a falarem de futebol nem dirigentes desportivos a falarem de política porque isso insere-se nas liberdades, direitos e garantias que a Constituição prevê para todos os cidadãos deste país.
Eu próprio, que já estive dos dois lados e às vezes em simultâneo, soube sempre separar a intervenção política da opinião desportiva e creio que é normal que assim seja com muitas outras pessoas.
Agora já me preocupa, isso sim, ver políticos a decidirem sobre futebol.
A decidirem perdões fiscais, a aceitarem papel de embrulho (vulgo acções) como garantia das dívidas de um clube, a darem terrenos públicos a uns  clubes mas não a outros, a pedincharem bilhetes para camarotes presidenciais de clubes com dividas ao Estado, a sentarem-se orgulhosamente ao lado de gente da qual deviam (enquanto governantes) manter prudente distância e por aí fora numa falta de isenção e equidistância que também contribui para as assimetrias e injustiças do futebol.
O que nos leva a outra área. A do faz de conta.
Que leva à questão da corrupção.
Em Portugal se há discurso transversal a todas (sem excepção) forças políticas e na ponta da língua de todos os cidadãos é o combate à corrupção.
Ainda agora na abertura do ano judicial Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Ministra da Justiça, Procuradora Geral da República puseram nos seus discursos o maior enfâse na necessidade de combater a corrupção.
Toda a gente quer combater a corrupção.
Mas quando se trata do futebol, aí, alto e para o baile.
A fúria justiceira contra a corrupção abranda, acalma, para e desaparece.
Porque gente que é séria na sua vida pessoal e  profissional, que é genuína no desejo de ver acabar a corrupção, quando se trata de ver o seu clube ganhar aí já opta pelo “vale tudo” ora com a desculpa de que os “outros” também ganham assim  (como se alguém matar dê a outrem o direito de também o fazer)ora com o espantoso discurso de que o futebol é um mundo aparte e mais vale não mexer muito com isso!
E portanto o combate à corrupção no futebol é, em Portugal, um verdadeiro faz de conta.
De que dou apenas dois exemplos:
Está preso, e os seus supostos crimes a serem investigados, o hacker Rui Pinto.
E os gravíssimos crimes que ele denunciou ? Estão a ser investigados? Estão os seus presumíveis autores a contas, ao menos, com um processo de inquérito?
Todos sabemos que não.
O outro exemplo tem a ver com um juiz recentemente expulso, e muito bem, da Magistratura por favores ilegais prestados a terceiros que toda a gente sabe quem são.
Foram os terceiros alvo de investigação? De inquérito? Chamados às suas responsabilidades?
Também sabemos que não.
São apenas dois exemplos mas que provam bem o faz de conta que em Portugal se pratica no “combate” à corrupção no futebol.
Em conclusão penso que não há nenhum problema em existirem vasos comunicantes entre a política e o futebol (até porque alguns são inevitáveis) se eles forem percorridos de ambos os lados por gente responsável, que saiba respeitar as especificidades de cada um e que a cada momento saiba onde se posicionar.
Podendo perfeitamente os políticos pronunciarem-se sobre futebol e os dirigentes desportivos sobre política.
É da ordem natural das coisas.
E um ultimo exemplo provando que às vezes política e futebol deviam mesmo misturar-se:
Quando o Vasco Rodrigues me fez o lisonjeiro convite para escrever este texto para a “Economia do Golo” pensei debruçar-me sobre o Vitória-Benfica do passado sábado não na optica da análise futebolística propriamente dita mas na perspectiva do que aconteceu depois desde as declarações de Miguel Pinto Lisboa ao lamentável comunicado do Benfica passando por algumas opiniões que vi publicadas no jornal do clube de Lisboa conhecido como “A Bola” de ataque ao Vitória e ao seu Presidente.
Depois preferi outro tema para o artigo até por já ter escrito o suficiente sobre esse assunto.
Mas não deixei de constatar que políticos vimaranenses, de vários quadrantes, que adoram frequentar o camarote presidencial do estádio D.Afonso Henriques, que fazem questão de aparecerem ao lado de equipas e atletas do Vitória quando há títulos a festejar e troféus a exibir, que não dispensam uma romaria ao clube em tempo de campanhas eleitorais estão   agora estranhamente calados quando o Vitória , Miguel Pinto Lisboa , os vitorianos e até a cidade de Guimarães estão debaixo do fogo de alguma comunicação social e são alvos de violentas criticas de um clube conhecido pelo seu poder tentacular.
Não querem, agora, misturar política com futebol ?
Pois...pois...
Neste contexto não dá jeito!

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