terça-feira, março 19, 2019

Televisões

O meu artigo desta semana no Duas Caras.

Quando em meados do século passado surgiu uma nova tecnologia chamada televisão, uma tremenda novidade para a época, não faltaram aqueles que lhe auguraram uma vida curta e um insucesso inevitável face à preponderância da rádio (ao tempo o grande meio de comunicação) e á crescente popularidade do cinema que era então o supra sumo do entretenimento de massas.
Dizer que os agoirentos estavam errados será manifestamente pouco face à realidade dos nossos dias em que a televisão é aquilo que se sabe que é.
Ao longo dos anos, e com a evolução da tecnologia, a televisão sofreu uma enorme evolução que não se resumiu à já distante evolução do preto e branco para a cor mas passou por muitas outras alterações das quais as transmissões por satélite e posteriormente por cabo permitiram ao comum dos cidadãos o acesso na comodidade do seu sofá a centenas de canais versando uma enorme variedade de temas.
Mas também a programação, as horas de emissão, o tipo de programas que são emitidos tem vindo a sofrer uma constante evolução (nalguns casos chamar-lhe evolução talvez seja impróprio…) adequando a televisão ao gosto dos telespectadores mas mais do que isso formatando os gostos dos telespectadores aos interesses das televisões.
Concentremo-nos em Portugal.
Onde como em tantas outras áreas a moda que se segue é a moda que já não se usa, ou se usa apenas residualmente, nos países onde vamos buscar os exemplos que gostamos de seguir e dos quais nos tornamos entusiásticos adeptos do dia para a noite.
Não tenho qualquer dúvida em afirmar que as televisões generalistas (RTP,SIC,TVI), tão iguais em quase tudo e tão diferentes em quase nada, tem hoje programações de uma falta de qualidade, de uma vacuidade em termos culturais, de um contributo para o “embrutecimento” que devia fazer corar de vergonha os seus responsáveis se tivessem outros objectivos que não fossem os “shares” de audiência.
Ele são as infindáveis telenovelas, ele são os tão horríveis quanto imensos programas sobre futebol, ele são os concursos sem nível nem qualidade, ele são a ausência quase total de boa programação cinematográfica, de bons documentários, de boas séries como se vêem na FOX, no AXN, no Canal História, no Discovery, no National Geographic e em tantos outros.
Ele é, também, o remeterem alguns dos poucos programas com real qualidade para horários tardios só ao alcance de quem não tenha que trabalhar no dia seguinte como aconteceu ainda recentemente, por exemplo, com a série “Versalhes” exibida na RTP 1.
Escrevo isto ao sabor de uma noite de domingo em que a RTP passa em horário nobre um concurso de culinária (!) e onde SIC e TVI passam concursos aviltantes para a raça humana como o “Quem quer namorar com o agricultor?” e o “Quem quer casar com o meu filho?”
Uma vergonha!
Mas que tem público, dão bons “shares”, e por isso existem para gaudio dos accionistas privados dessas televisões cujo único móbil é o lucro e por isso são completamente indiferentes ao “telelixo” que metem pelas casas dentro via receptores televisivos.
E este é um daqueles casos em que claramente as televisões souberam perceber os gostos de muitos telespectadores e criando problemas que dão satisfação a esses gostos conseguiram formatar o consumidor para aquilo que lhe querem vender.
Levando a questão para o campo político é evidente que esta capacidade de as televisões formatarem os gostos dos telespectadores levanta sérias questões sobre a forma como essas mesmas televisões põe em causa o regular funcionamento da democracia a partir do momento em que decidem privilegiar uns partidos em detrimento de outros aliás a exemplo do que também fazem no campo desportivo mas não é disso que se trata aqui e agora.
A verdade é que as três televisões generalistas favorecem claramente os partidos já instalados e com representação parlamentar ( (PSD,PS,CDS,PCP,BE) através dos noticiários, dos programas em estúdio com representantes partidários, dos comentadores televisivos em detrimento de todos os outros que tem de ultrapassar verdadeiras “muralhas” para terem acesso a uns “pingos” de presença televisiva.
E se isso já é lamentavelmente assim todo o ano, ao longo dos anos, mais reprovável se torna quando a prática desses comportamentos abarca períodos pré eleitorais e eleitorais mesmo quando todos os partidos deviam ser tratados em absoluto pé de igualdade.
Deviam… mas não são.
Com as “europeias” à porta a questão ganha especial acuidade quando se começa a desenhar uma tentativa de as televisões fazerem dois tipos de debate entre as candidaturas que no terreno disputam, em aparente igualdade, o voto dos portugueses.
Um entre os partidos com representação no Parlamento Europeu e outro entre aqueles que não a tem (ou ainda não a tem mas previsivelmente vão ter) o que em termos democráticos é completamente inaceitável e merece severa reprovação.
Uma espécie, voltando rapidamente ao desporto, de campeonato da primeira liga para uns e da segunda liga para outros como se em democracia pudesse haver diferentes escalões para partidos que face à lei são rigorosamente iguais em termos de direitos.
Não compete às televisões fazerem a diferença entre partidos.
Fá-la-ão democraticamente os portugueses através do voto a 26 de Maio e essa é a única diferenciação política e democraticamente aceitável. 

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