Quando em meados do século passado surgiu uma nova tecnologia chamada televisão, uma tremenda novidade para a época, não faltaram aqueles que lhe auguraram uma vida curta e um insucesso inevitável face à preponderância da rádio (ao tempo o grande meio de comunicação) e á crescente popularidade do cinema que era então o supra sumo do entretenimento de massas.
Dizer que os agoirentos estavam errados será manifestamente pouco face
à realidade dos nossos dias em que a televisão é aquilo que se sabe que é.
Ao longo dos anos, e com a evolução da tecnologia, a televisão sofreu
uma enorme evolução que não se resumiu à já distante evolução do preto e branco
para a cor mas passou por muitas outras alterações das quais as transmissões
por satélite e posteriormente por cabo permitiram ao comum dos cidadãos o
acesso na comodidade do seu sofá a centenas de canais versando uma enorme
variedade de temas.
Mas também a programação, as horas de emissão, o tipo de programas que
são emitidos tem vindo a sofrer uma constante evolução (nalguns casos chamar-lhe
evolução talvez seja impróprio…) adequando a televisão ao gosto dos telespectadores
mas mais do que isso formatando os gostos dos telespectadores aos interesses
das televisões.
Concentremo-nos em Portugal.
Onde como em tantas outras áreas a moda que se segue é a moda que já
não se usa, ou se usa apenas residualmente, nos países onde vamos buscar os
exemplos que gostamos de seguir e dos quais nos tornamos entusiásticos adeptos
do dia para a noite.
Não tenho qualquer dúvida em afirmar que as televisões generalistas
(RTP,SIC,TVI), tão iguais em quase tudo e tão diferentes em quase nada, tem
hoje programações de uma falta de qualidade, de uma vacuidade em termos
culturais, de um contributo para o “embrutecimento” que devia fazer corar de
vergonha os seus responsáveis se tivessem outros objectivos que não fossem os “shares”
de audiência.
Ele são as infindáveis telenovelas, ele são os tão horríveis quanto
imensos programas sobre futebol, ele são os concursos sem nível nem qualidade,
ele são a ausência quase total de boa programação cinematográfica, de bons documentários,
de boas séries como se vêem na FOX, no AXN, no Canal História, no Discovery, no
National Geographic e em tantos outros.
Ele é, também, o remeterem alguns dos poucos programas com real
qualidade para horários tardios só ao alcance de quem não tenha que trabalhar
no dia seguinte como aconteceu ainda recentemente, por exemplo, com a série “Versalhes”
exibida na RTP 1.
Escrevo isto ao sabor de uma noite de domingo em que a RTP passa em
horário nobre um concurso de culinária (!) e onde SIC e TVI passam concursos
aviltantes para a raça humana como o “Quem quer namorar com o agricultor?” e o “Quem
quer casar com o meu filho?”
Uma vergonha!
Mas que tem público, dão bons “shares”, e por isso existem para gaudio
dos accionistas privados dessas televisões cujo único móbil é o lucro e por
isso são completamente indiferentes ao “telelixo” que metem pelas casas dentro
via receptores televisivos.
E este é um daqueles casos em que claramente as televisões souberam
perceber os gostos de muitos telespectadores e criando problemas que dão
satisfação a esses gostos conseguiram formatar o consumidor para aquilo que lhe
querem vender.
Levando a questão para o campo político é evidente que esta capacidade
de as televisões formatarem os gostos dos telespectadores levanta sérias
questões sobre a forma como essas mesmas televisões põe em causa o regular
funcionamento da democracia a partir do momento em que decidem privilegiar uns
partidos em detrimento de outros aliás a exemplo do que também fazem no campo
desportivo mas não é disso que se trata aqui e agora.
A verdade é que as três televisões generalistas favorecem claramente
os partidos já instalados e com representação parlamentar ( (PSD,PS,CDS,PCP,BE)
através dos noticiários, dos programas em estúdio com representantes partidários,
dos comentadores televisivos em detrimento de todos os outros que tem de
ultrapassar verdadeiras “muralhas” para terem acesso a uns “pingos” de presença
televisiva.
E se isso já é lamentavelmente assim todo o ano, ao longo dos anos,
mais reprovável se torna quando a prática desses comportamentos abarca períodos
pré eleitorais e eleitorais mesmo quando todos os partidos deviam ser tratados
em absoluto pé de igualdade.
Deviam… mas não são.
Com as “europeias” à porta a questão ganha especial acuidade quando se
começa a desenhar uma tentativa de as televisões fazerem dois tipos de debate
entre as candidaturas que no terreno disputam, em aparente igualdade, o voto
dos portugueses.
Um entre os partidos com representação no Parlamento Europeu e outro
entre aqueles que não a tem (ou ainda não a tem mas previsivelmente vão ter) o
que em termos democráticos é completamente inaceitável e merece severa
reprovação.
Uma espécie, voltando rapidamente ao desporto, de campeonato da primeira
liga para uns e da segunda liga para outros como se em democracia pudesse haver
diferentes escalões para partidos que face à lei são rigorosamente iguais em
termos de direitos.
Não compete às televisões fazerem a diferença entre partidos.
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