segunda-feira, outubro 11, 2021

Chicote Ausente

 O meu artigo desta semana no zerozero.pt
Já todos sabemos, por experiência mais ou menos própria, que tentar entender o futebol português em muitas das suas originalidades não é nada fácil tantos os “fenómenos” que nele ocorrem e que são de difícil interpretação mesmo para os profissionais da matéria quanto mais para os leigos.
Um deles, velho de décadas, é a inusitada frequência com que as direccções/SAD que contratam treinadores os despedem aos primeiros maus resultados quantas vezes com os campeonatos ainda na sua fase inicial e muitíssimo longe de qualquer tipo de decisão.
Assobiando para o ar, atirando a culpa (se é que ao fim de meia dúzia de jornadas se pode falar de culpa…) toda para cima do treinador, parecendo que a escolha do mesmo não foi uma decisão de quem o despede, esse procedimento é o normal do nosso futebol ao longo dos anos e propicia que muitas vezes mais de metade dos treinadores que iniciaram a época num clube não a acabem.
Originalidade do nosso futebol, que devia causar estranheza por suceder mas não causa, acaba por ser algo de tão banal que o que agora se estranha é, por irónico que pareça, quando isso não sucede.
Como esta época por exemplo.
Onde decorridas oito jornadas, um quarto da prova, ainda não se ouviu o estalar do chicote e todas as equipas (excepção feita ao Santa Clara mas aí foi o treinador que quis sair para ir ganhar muito mais dinheiro para as Arábias) mantém o treinador com que iniciaram o campeonato!
Pelo que se pode falar em originalidade naquilo que devia ser normalidade.
Creio que se podem apontar várias razões para isso:
A primeira é que o campeonato se está a pautar por grande equilíbrio em todos os seus patamares, desde os candidatos ao título até aos que apenas almejam lugares tranquilos passando pelos que querem estar presentes nas competições europeia (Liga Europa e Liga Conferência) da próxima temporada.
Benfica, Porto e Sporting estão separados por um ponto, depois aparecem dois “intrusos” (Estoril e Portimonense) nos lugares europeus mas todos sabemos, a começar pelo próprios, que isso não será por muito mais tempo seguindo-se os “verdadeiros” candidatos à Europa (Braga, Vitória e um renascido Boavista que são equipas de larga tradição europeia) e após eles um largo conjunto de clubes a fazerem um campeonato regular e dos quais pode muito bem aparecer um ou outro a intrometer-se na luta europeia como o Paços de Ferreira por exemplo.
Nos lugares de aflição estão o recém promovido Arouca, o B SAD que ainda agora renovou a confiança em Petit (embora no nosso futebol estes renovar de confiança sejam, normalmente, a antecâmara do despedimento) e um lanterna vermelha chamado Famalicão que tem equipa para bem mais e bem melhor do que vem fazendo e que tradicionalmente em Janeiro vai ao mercado com grande “apetite”.
Em suma está tudo em aberto e essa será uma primeira razão para a tranquilidade dos chicotes.
Outra terá a ver, em minha opinião, com o debilitado estado das finanças de todos os clubes sem excepção (embora alguns se entretenham a maquilhar números para parecer que estão numa situação em que não estão de facto) o que obrigará as SAD e alguns presidentes mais impacientes a refrearem as hipotéticas vontades de mudança face ao problema que representa terem de pagar em simultâneo a duas equipas técnicas, ou seja, a que entra e a que sai!
E por isso vão aguentando, vão dando um tempo que normalmente não dariam, esperando que os resultados melhorem e que não se tornem necessárias mudanças de treinador.
O que significa, mesmo levando em conta os condicionalismos, que há uma certa mudança de mentalidade que é boa para o futebol português porque lhe retira a instabilidade laboral que o caracterizava no passado e permite aos treinadores poderem implementar as suas ideias e métodos com um espaço temporal que no passado estava sempre ameaçado por dois ou três resultados menos positivos.
Será para continuar?
Aí só Deus sabe porque se há algo que caracteriza na perfeição o nosso futebol é a emblemática frase proferida, décadas atrás, por António Pimenta Machado segunda a qual “no futebol português o que hoje é verdade amanhã é mentira”!
E essa é uma verdade intemporal e imutável.

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