Gosto muito de futebol!
E gosto de futebol praticamente desde que me conheço a mim próprio e
desde que o conheço enquanto a mais entusiasmante de todas as modalidades desportivas.
Ou seja desde meados dos anos sessenta do século passado quando pela
mão do meu pai e do meu avô comecei a ir ver jogos do Vitória, ainda no saudoso
campo da Amorosa, com o entusiasmo próprio de uma criança que entrava pela
primeira vez num novo mundo do qual (ainda não o imaginava na altura) nunca
mais sairia.
Passados mais de cinquenta anos, vistos milhares de jogos em estádios
e na televisão, continuo a gostar muito de futebol e a adorar o “meu” Vitória
mas essas são as duas únicas certezas que ainda mantenho quanto à modalidade.
Gosto de futebol.
Do futebol dos grandes jogadores, das equipas de sonho, dos grandes
jogos e das competições de excelência onde a modalidade verte aquilo que tem de
melhor e que fez dela a mais popular do planeta.
Do futebol de Cristiano Ronaldo e Messi, de Pelé e Eusébio, de Cruyff
e Maradona, de Ronaldinho e Ronaldo, de Beckenbauer e Marco Van Basten entre
tantos outros que poderia citar para ilustrar o meu pensamento.
Do futebol das grandes jogadas, dos golos memoráveis, da emoção e
incerteza no resultado, da inteligência posta ao serviço do jogo.
Das grandes equipas que contribuíram para a lenda do futebol desde a
“laranja mecânica” holandesa de 1974 ao Barcelona do “tiki taka” passando pelo
espantosa selecção brasileira de 1970 no México sem esquecer outra selecção
brasileira, a de Espanha 1982, campeã sem título de um Mundial inesquecível.
Gosto do futebol das grandes competições.
Dos Mundiais, dos Europeus, da Liga dos Campeões que são competições
onde é fácil encontrar memórias fantásticas de jogos e jogadores fabulosos.
Mas também gosto de campeonatos nacionais.
Da fabulosa Liga inglesa, para mim a melhor do mundo, com os seus
jogos imprevisíveis, o seu compromisso com a verdade desportiva, o fair play
como regra e não como excepção, a rapidez e independência da Justiça
desportiva, a sua História mais que centenária.
Como gosto da Liga espanhola.
Da sua emotividade, da rivalidade tantas vezes cavalheiresca entre
Barcelona e Real Madrid e quase sem limites entre Sevilha e Bétis, das
especificidades exemplares do Atlético de Bilbau, da luta titânica do Atlético
de Madrid para ombrear com Barça e Real Madrid, de uma realidade que nos diz
existirem nove clubes que já venceram a Liga.
Como gosto da Liga alemã com a sua organização exemplar, os seus
estádios cheios, a competitividade do campeonato ao longo dos anos e uma
louvável certeza de através da organização evitarem complicações e suspeições.
Como vejo, embora com menos interesse, a liga italiana que depois de
muitos anos de grande competitividade entrou nesta última década numa monotonia
que deve preocupar os seus responsáveis porque não é bom para o futebol ver
numa das suas principais ligas o mesmo clube ganhar consecutivamente oito
campeonatos.
Infelizmente não gosto do futebol português.
E tenho imensa pena que o “meu” Vitória tenha de competir num
campeonato, e mais do que isso numa realidade futebolística global, em que
alguns dos principais valores que prestigiam as grandes Ligas europeias estão completamente
arredados.
O futebol português não tem verdade desportiva.
Não a tem nos relvados, não a tem nas novas tecnologias que
supostamente para ela deveriam contribuir decisivamente, não a tem no relato
que dela faz uma comunicação social que em grande parte não é isenta, não é
rigorosa e quantas vezes não é verdadeira.
Pior.
O futebol português, que interessa a milhões de portugueses entre os
quais muitos jovens, não é um bom exemplo para a sociedade, não é um modelo a
seguir pelos jovens em formação, não é motivo de orgulho para todos quantos
gostando de futebol e dos seus clubes não sofram em simultâneo de uma clubite
cega e incapacitante em termos de raciocínio.
Porque é um futebol de conflitos, de suspeição, de maus exemplos
vindos de quem mais devia zelar pela sua imagem (a maioria dos dirigentes
clubísticos), de constantes querelas e zaragatas, de nenhum ou quase nenhum
“fair play”.
É um futebol em que o dirigismo inculcou a ideia de que o mais
importante é ganhar não importando como, em que grande parte dos adeptos de
quem ganha mais só se preocupam em vencer não parando um minuto para pensar em
como algumas dessas vitórias foram obtidas, um futebol que consagra o principio
do “vale tudo” compensador face a uma justiça desportiva caricata e que apenas
tem como prioridade ser fraca com os fortes e forte com todos os outros.
No futebol português vale tudo para alguns ganharem.
Porque o futebol português é um “Estado” dentro do Estado a quem todos
os poderes tem medo, com quem nenhum poder ousa confrontar-se a sério, e que
consegue fruto da tal clubite cega e incapacitante em termos de raciocínio
fazer com que tanta gente absolutamente séria na sua vida pessoal e
profissional pactue (nem que seja pelo silêncio cúmplice) com os maiores
atropelos, desonestidades e aldrabices desde que o seu clube ganhe campeonatos
e taças.
Porque no futebol português há milhões que são adeptos de quem ganha
mais vezes, apenas e só por isso, em vez de apoiarem os clubes das suas terras
e assim contribuírem para um maior equilíbrio e competitividade das
competições.
Em Portugal o futebol é cada vez menos um desporto e cada vez mais um
sério caso de polícia.
E pese embora o pavor do poder político (desde sempre em boa verdade)
em afrontar os podres do futebol, com medo que isso tenha repercussões
eleitorais, lá terá de vir o dia em que alguém terá de ter a coragem para dizer
que os “reizinhos” vão nus e fazendo a Justiça funcionar de forma implacável
obrigue o futebol a seguir as leis da República a que todas as outras áreas
sociais estão obrigadas.
Infelizmente esse dia não será amanhã.
E creio que só chegará (infelizmente uma vez mais) quando um destes
dias, num estádio próximo de nós, acontecer uma inevitável desgraça motivada
pelo estado de permanente “guerra civil” de uns, na ânsia de ganharem sempre
ainda que de qualquer maneira, e de crescente indignação de outros, fartos de
serem “filhos de um Deus menor” e constantemente prejudicados pelo “vale tudo “
instalado (e televisivamente incentivado de todas as maneiras e feitos) em
proveito dos tais que ganham sempre.
Por mim continuo a gostar de Futebol e a adorar o Vitória.
“Deste” futebol português é que não consigo gostar mesmo.
Não é possível!
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