segunda-feira, junho 12, 2017

Missas e Padres

O meu artigo desta semana no zerozero.

Já não será propriamente surpresa para ninguém que o nosso futebol tem originalidades tão próprias que o tornam um caso único no contexto europeu, e só não digo mundial porque na América do Sul há fenómenos idênticos, tal as singularidades de que se reveste.
A chamada “silly season” é uma delas.
Não que nos outros países não exista com tudo o que significa de notícias e desmentidos, de contratações que ora o são ora o deixam de ser, com jogadores e treinadores que iam para aqui e afinal vão para ali, com um volume diário de notícias nos jornais desportivos, nas rádios e nas televisões que fazem as delícias dos seus editores e, porque não dizê-lo, de todos aqueles que herdaram do “Antigo Regime” aquela velha máxima de que” se vem no jornal é porque é verdade” e por isso renovam diariamente os seus entusiasmos face às “fabulosas” contratações dos seus clubes.
Mas a “silly season” portuguesa sendo nisso, embora com algum exagero, semelhante às de outras paragens arranja sempre forma de ser original juntando aos folhetins das contratações mais qualquer “coisinha” para apimentar estes meses sem futebol que tanto custam a passar.
Este ano é a novela das “missas e dos padres” lançada pelo director de comunicação do Porto com base numa troca de e-mails entre um ex árbitro e um funcionário do Benfica e da qual os portistas concluem (e denunciam) a existência de uma rede de favorecimentos ao Benfica montada pelo clube da Luz e da qual fariam parte vários árbitros que nos jogos desse clube lhe dariam o famoso “colinho” sempre que necessário se tornasse.
Sinceramente não vejo onde está a novidade que mereça tanto alvoroço em torno do assunto.
Bastará ver com atenção os jogos do Benfica para perceber que há um elevado número de decisões de várias equipas de arbitragem que favorecem objectivamente o clube da Luz e prejudicam os seus adversários.
Mas sempre foi assim embora nestes últimos anos o “fenómeno” se tenha vindo a tornar mais frequente ao sabor de equipas benfiquistas que sendo progressivamente mais fracas precisam de mais ajudas.
E sempre foi assim não apenas para o Benfica como também para os outros chamados “grandes” que ao longo dos anos são sempre beneficiados na arbitragem, na disciplina e em outros sectores do futebol e até das modalidades.
Onde as coisas variam é apenas no chamado “grande” que a cada momento domina o chamado “sistema”.
Com o Sporting há muito arredado disso (e do resto…) a questão tem-se vindo a caracterizar por uma alternância de domínio entre Benfica e Porto com ciclos de poder alternados entre ambos e os consequentes benefícios desportivos de estar “por cima” nos bastidores.
Sendo claro que o Benfica dominou largamente durante o antigo regime e até finais dos anos oitenta é igualmente claro que nas duas décadas seguintes o poder passou para o Porto (e parcialmente para o Boavista), com todos os episódios que se conhecem, estando na última meia dúzia de anos de regresso aos encarnados.
E se toda a gente sabe disto é igualmente verdade que ninguém faz nada para isto alterar!
O original desta novela das “missas e padres” é mesmo o denunciante ser o Porto.
Que não duvido que saiba do que fala, até pela sua vasta experiência no assunto, mas que em bom rigor devia ser o último clube a vir a público com denúncias destas porque tem um ”histórico” na matéria que não lhe dá margem para querer dar lições de moral.
Porque todos sabemos que o Porto veio a público hoje, com ontem o fazia o Benfica em termos mais ou menos idênticos (na verdade os dois clubes são mais parecidos do que gostam de admitir), não porque esteja preocupado com a transparência e a verdade desportiva das competições mas apenas porque sabe que é hoje o rival a dominar o “sistema” e isso tem incidência directa nos resultados desportivos.
E o Porto sabe também que, ainda por cima numa época em que as dificuldades financeiras o vão obrigar a vender “jóias da coroa” , isso pode cavar um fosso entre os dois clubes que remeta o futebol português para o antes 25 de Abril com uma clara hegemonia do Benfica sem opositores face a um Porto sem dinheiro e a um Sporting sem rumo.
E esse é o verdadeiro problema do Porto.
Que sem ganhar nada desde 2013 vê um futuro pouco auspicioso face a um rival que para além da força própria oriunda de ser o maior clube português ainda controla totalmente outros aspectos essenciais como a arbitragem e a disciplina.
E por isso achando que o Porto tem razão nas denúncias acho igualmente que  não tem moral para as fazer.
Mas ,afinal, estamos ou não estamos na “silly season” do futebol português?

P.S. Naturalmente que também se poderia perguntar o que fazem os responsáveis dos outros clubes face a este cenário de podridão no nosso futebol?
A resposta é simples; Não fazem nada!
Mas isso será tema para futuro artigo.

5 comentários:

Rui Cordeiro da Silva disse...

Continuo a dizer que se os outros 15 clubes da Liga se juntassem e lutassem contra isto, podiamos ter uma Liga de 15 clubes (mais um da 2@ Liga) a lutarem todos contra todos!
Seria um campeonato bem mais interessante, competitivo e com permanente incognita sobre quem o ganharia.
Quisessem os clubes mudar...

Anónimo disse...

Mais um excelente artigo do Sr Luís Cirilo sobre os bastidores do futebol português.

A leitura do seu artigo recordou-me vários aspectos preocupantes que surgiram à volta do futebol nestas últimas semanas:

- Acho que os árbitros que ajudam o SLB não o fazem a pedido mas sim para agradar ao 'sistema' dominado por este clube. Por isso não há nenhuma prova de corrupção e o caso não vai dar em nada porque não indícios de que seja o clube a pedir qualquer favor. Aqueles mergulhos e palhaçada dos jogadores do SLB, as faltas cartões e penalties caídos do céu, vão continuar

- Os presidentes dos maiores clubes portugueses já não dão a cara - talvez para se safarem dos castigos. Agora têm um exército de capangas para fazer opinião e tentar manipular a informação na comunicação social

- Só se fala de arbitragem e corrupção. Só se acusam de parte a parte mas ninguém toma a iniciativa de criar uma estrutura única com regras próprias, para árbitros desportivos, independente das ligas e federações, com gente séria e isenta, que faça a gestão das arbitragens. Actualmente são os clubes que mandam nos árbitros

- A reunião de ontem da Liga serviu para aprovar a proibição de 'fumo e cuspidelas' nas áreas técnicas dos recintos desportivos... só mesmo para rir... Entretanto a proposta de castigos para clubes que autorizem claques ilegais nos seus estádios foi chumbada... as reuniões da Liga parece que só servem para a galhofa

- A agressividade entre clubes aumenta em vez de diminuir: vem aí a taça das confederações, e o europeu de sub-21, mas só se fala nos 3 estarolas... se querem falar de clubes poderiam antes realçar a forma como a direcção do Vitória SC conseguiu resolver o problema da violência entre adeptos, permitindo ao clube continuar a ter aquela vocação familiar que sempre teve, e que motiva mais gente a ir aos estádios

Miguel Leite

luis cirilo disse...

Caro Rui:
Mas não juntam. Porque em vez de quererem participar na divisão do "pão" como membros de pleno direito preferem andar em volta da mesa a tentarem apanhar migalhas.
Caro Miguel Leite:
Estou de acordo com os vários pontos que cita.
E destaco particularmente o facto de os adeptos vitorianos terem um comportamento exemplar no apoio ao seu clube que os torna num caso merecedor de admiração por parte dos adeptos de outros clubes. O Jamor foi mais uma prova disso.
Quanto ao resto é pena que de facto tenhamos um futebol em que corrupção e arbitragem são temas centrais, em que ninguém excepto a maioria dos benfiquistas acredita na verdade desportiva das competições, em que agressividade vai subindo de tom até um destes dias haver algo de muito sério para lamentarmos ninguém faz nada para inverter o rumo dos acontecimentos.
Creio que o Estado devia intervir porque tem os instrumentos legais para o fazer.
Mas o Estado tem medo do futebol (sempre teve) e dentro do futebol tem medo de desagradar ao Benfica clube do qual alguns dos dirigentes do topo do Estado até são adeptos.
E por isso tendo uma selecção campeã europeia e um jogador que já foi eleito quatro vezes o melhor do mundo temos um futebol imerso na porcaria e na falta de verdade desportiva.
E assim vai continuar.

Rui Cordeiro da Silva disse...

Ha muitos anos atras morreu um adepto do Sporting no Jamor, vitima de um petardo.
As claques do Benfica deixaram de mandar petardos? Claro que nao. E porque??? Porque ninguem quer definitivamente limpar a porcaria em que vive o futebol em Portugal.
Mas, como diziam os outros "La vamos, cantando e rindo..."

luis cirilo disse...

Caro Rui:
Cantando e rindo até ao dia em que num estádio aconteça uma tragédia.
Claro que nesse dia a culpa tentará morrer solteira