quarta-feira, julho 10, 2024

Pontualidade

Um hábito que tenho, e que francamente gosto muito de ter, é o de ser pontual.
Sempre fui.
Por uma questão de feitio mas também porque fui assim habituado pelos meus pais que cultivavam o hábito da pontualidade e eram conhecidos na família por isso e depois porque esse hábito foi muito consolidado durante os dezassete meses do serviço militar obrigatório em que os atrasos tinham custos elevados.
Felizmente nunca tive problemas com isso mas vi colegas , na recruta, ficarem o fim de semana no quartel por se terem atrasado para isto ou para aquilo.
E por isso prezando a pontualidade, e preferindo esperar a esperarem por mim,  tenho dificuldade em perceber as pessoas que olham os compromissos com hora marcada com uma insustentável leveza como se as horas não fossem para cumprir mas meramente uma referência a seguir caso apeteça.
Curiosamente essas pessoas quando vão ao futebol, ao cinema ou a um concerto sabem bem cumprir horários!
Na vida política, onde andei muitos anos, o cumprimento de horários é algo de aflitivo e então quando se trata de campanhas eleitorais é melhor nem se falar porque quando se atrasa o primeiro compromisso do dia é mais que certo que se vão atrasar os outros todos com os inerentes aborrecimentos e transtornos.
E é desse tempo, já algo remoto, que deixo aqui duas histórias de pontualidade e uma de falta dela.
Em 1996 fui eleito pela primeira vez para o Conselho Nacional do PSD.
Nesse tempo os CN eram ao sábado (uma boa prática que depois se perdeu) com início  às 10.00 da manhã , interrupção para almoço e continuavam de tarde até estar concuida a agenda.
Na minha primeira reunião do CN, e também por isso me lembro bem da história porque foi a primeira, realizada no "falecido" auditório da sede nacional eram 9.45h e ja eu estava sentado na sala porque para lá de pontual sempre que posso chego um bocadinho antes.
Às 10.00 h éramos seis ou sete os conselheiros presentes na sala , mais o presidente do partido (Marcelo Rebelo de Sousa) no seu primeiro CN enquanto líder e um ou dois membros da sua CPN e a presidente da Mesa (Leonor Beleza) mais um ou dois membros da mesa que já não recordo quem eram.
Cá fora mais uma dezena de conselheiros a fumarem o ultimo cigarrinho antes de entrarem.
Às dez horas em ponto Marcelo dirigiu-se a Leonor Beleza pedindo para dar início aos trabalhos ao que esta, surpreendida, respondeu que talvez fosse melhor aguardar mais um pouco dado estarem poucos conselheiros presentes. 
Ao que Marcelo retorquiu que os poucos que estavam mereciam ser respeitados por cumprirem o horário e iniciou o seu discurso de análise da situação política falando para quem estava.
Claro que os fumadores entraram a correr mas houve conselheiros, e não foram poucos, que fieis aos tais hábitos de olharem a hora como uma referência apenas quando chegaram ao auditório já Marcelo tinha concluído a intervenção.
Serviu de lição porque no Conselho seguinte à hora já a sala estava muito bem composta!
O segundo exemplo tem a ver com o Parlamento.
Na minha primeira legislatura enquanto deputado o presidente do parlamento era o dr. António de Almeida Santos. Grande figura da política nacional, um verdadeiro senador, com uma relação tolerante com o relógio.
Ou seja os plenários nunca começavam com menos de dez, quinze, vinte minutos de atraso.
Ele estava a horas no seu lugar mas depois esperava que o hemiciclo se fosse compondo com uma paciência quase infinita.
Sucedeu-lhe outra grande figura, outro senador mas um senador pontual!
O dr. João Mota Amaral.
E com ele horas eram horas e estivesse quem estivesse na hora regimental dava início aos trabalhos.
Os deputados, muitos como eu que também tinham estado na anterior legislatura, começaram por estranhar mas depois entranharam (tipo Coca Cola) e a pontualidade imperou até ao fim da legislatura.
Terceiro e último exemplo mas este ao contrário
No início dos anos 90, estava o PSD no seu terceiro governo liderado por Cavaco Silva (segundo de maioria absoluta), e a comissão política concelhia de Guimarães resolveu convidar para um plenário o ministro Luís Marques Mendes que prontamente aceitou o convite.
Declinando o convite para jantar por não poder estar em Guimarães mais cedo do que a hora do plenário (21.30 h)  mas assegurando que nele estaria na hora marcada.
Dado a previsivel (e depois confirmada) grande afluência de militantes face à ilustre presença decidiu a comissão política não fazer o plenário na sede mas sim numa sala alugada do Hotel Fundador por ser muito maior e proporcionar outro conforto aos presentes.
À hora do plenário estava a sala cheia, a expectativa era muita mas do convidado nada.
E embora já nesse tempo a fama dos seus atrasos fosse conhecida, até  porque era um homem do distrito nele tendo iniciado a sua carreira política, havia a esperança de que fosse apenas um ligeiro atraso e estivesse a chegar embora dado ainda não existirem telemóveis não houvesse forma de o contactar.
Pois sim.
Já passavam uns vinte minutos da hora marcada para o início do plenário quando um funcionário do hotel aparece a pedir se alguém da comissão política podia ir à recepção atender um telefonema da parte do senhor ministro Marques Mendes.
Tocou-me a mim.
E atendendo ouvi uma secretária do ministro informar que ele tinha acabado de entrar no avião em Lisboa (!!!) e daí a pouco estaria em Guimarães pelo que pedia um pouco de paciência.
Transmiti a informação ao presidente da comissão política, Professor Lemos Damião, e em conjunto decidimos não informar os militantes do atraso em toda a sua dimensão  mas apenas que tinha havido um percalço e o ministro chegaria tão depressa quanto possível.
Em suma fomos cumprindo a ordem de trabalhos do plenário com o maior vagar possível até que bem depois das onze da noite lá apareceu o Luis Marques Mendes com a boa disposição de sempre e como se estivesse dez minutos atrasado.
Sentou-se, foi-lhe dada de imediato a palavra e depois de se desculpar pelo atraso deu inicio a um discurso sobre o momento político que durou mais de hora e meia (!!!) e acabou pela uma da manhã perante o ar incrédulo de muitos dos presentes.
Em conclusão a pontualidade é um bocado como a água benta em que cada um toma a que quer se quiser tomar.
E depois há os que tomam e os que não tomam.
Por mim farei sempre parte dos primeiros.
Depois Falamos.

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