Uma das vantagens de viver a vida com alegria e optimismo, quanto baste como é obvio, é o ela dar-nos a possibilidade de em quase tudo podermos ver um lado positivo e agradável ainda que num computo geral muito negativo.
Pese embora a crescente leviandade com que muitos portugueses vão
saindo do desconfinamento provocado pela pandemia, estimulados é certo por
discursos errados de quem devia ter a preocupação suprema de só fazer discursos
certos, a verdade é que o país atravessou momentos muito difíceis e que
condicionaram a vida das pessoas a muitos níveis.
Um deles foi o futebol.
Campeonatos parados, clubes em grandes dificuldades para cumprirem
compromissos, receitas televisivas em “quarentena”, uma enorme indecisão sobre
o que fazer quanto às provas interrompidas, decisões a variarem de país para
país , sombras negras a adensarem-se sobre o futuro do futebol face ao não se saber se e quando poderá voltar à
sua normalidade.
Num cenário tão feio será caso para o leitor se interogar sobre o que
poderá ter existido de positivo, no que ao futebol concerne, num período tão
complexo e que ainda por cima não está acabado.
A resposta é simples.
Foram dois meses, mais coisa menos coisa, sem aturar quezílias entre
alguns clubes, sem aturar alguns presidentes e alguns directores de comunicação,
sem ter todos os telejornais de todas as televisões infestados por notícias sem
qualquer interesse sobre alguns clubes como se fosse impensável um telejornal
sem estar pintado de vermeljho, azul e verde, foi a santa paz de os programas
dos cartilheiros terem sido suspensos e não termos de aturar essa mistificação
ordinária de chamar programas sobre futebol a programas que são sobre três
clubes.
Foram meses dolorosos por tudo e também pela falta do futebol que
interessa (o que se joga dentro dos relvados) mas foi simultaneamente um tempo
de paz e de alguma desintoxicação daquilo que o futebol tem e que não devia
ter.
Mas tudo que é bom acaba.
E o principio do fim do aquela reunião em S.Bento a que uns foram e outros
não, e os que foram ao invés de tratarem daquilo a que se tinham comprometido
foram mas é tratar da respectiva vidinha para grande indignação dos que não
foram e se sentiram enganados.
E recomeçaram as inevitáveis polémicas sem as quais o futebol português
perderia uma das suas caracteristicas distintivas que, infelizmente, só o
prejudica.
A seguir vieram as polémicas dos estádios com um clube a querer
decidir quem jogava aonde como se o futebol português fosse uma coutada da sua
pertença ( e em muitas coisas até é mas falta quem tenha a coragem de o
denunciar e mais ainda de lhe fazer frente) e os restantes clubes uns vassalos
de sua excelência.
Naturalmente que a arbitrariedade com que a Liga (ou alguém por ela)
decidiu acabar abruptamente com um dos seus campeonatos ao mesmo tempo que
prossegue com o outro também gerou uma justa indignação (e consequente
polémica) nos clubes da II liga que não percebem a razão da discriminação nem
porque razão são “filhos de um deus menor” dentro de uma Liga quea todos devia
tratar por igual.
Decidir de forma totalitária que sobem Nacional e Farense e descem
Cova da Piedade e Casa Pia, quando dentro do terreno de jogo podia nem ser
assim, ao mesmoo tempo que na primeira liga se permite discutir título,
apuramentos europeus e manutenções no escalão só acontece num futebol terceiro
mundista e numa liga sem autoridade, sem rumo e que nem os interesses dos seus
filiados defende convenientemente.
Como se percebeu, aliás, na tal reunião de S.Bento em que o presidente
da Liga só foi convidado à ultima hora e quase por caridade!
E por isso não admira que a Liga esteja uma vez mais em convulsão, a
dar voltas e reviravoltas que já lhe foram vistas no passado, com uma
contestação em crescendo a Pedro Proença que poderá muito bem ser derrubado na
Assembleia Geral de 9 de Junho próximo.
O pretexto, sim não passa de um pretexto, terá sido uma carta enviada
por Proença ao Presidente da República e ao Governo pedindo apoio para a
possibilidade de as dez jornadas que faltam serem transmitidas em canal aberto
por razões, absolutamente plausiveis e justificadas, de defesa de saúde pública
evitando com isso grandes concentrações de adeptos em cafés e restaurantes para
verem os jogos em canais codificados.
Caiu o “Carmo e a Trindade” porque Proença não tinha perguntado aos
clubes aquilo que achavam da proposta.
Que em nada os afectava, diga-se de passagem, e ainda contribuia para
defender a saúde dos seus adeptos algo com que , pelos vistos, alguns clubes
nada se importam imersos no poder ditatorial de quem os dirige.
As questões de fundo são, como é fácil de perceber, bem outras.
Uma tem a ver com o modelo de governação da Liga em que
definitivamente os clubes tem de decidir se querem um presidente com poder, com
autoridade, que os represente a todos por igual em matérias de fundamental
interesse para o futebol como, por exemplo, a centralização da negociação dos
direitos televisivos ou se querem um “pau mandado” que seja um eterno joguete
entre Benfica e Porto (o Sporting aqui parece-me contar quase nada...)
procurando conciliar os interesses quase sempre antagónicos de ambos e fazendo
dos outros meros comparsas de uma história para a qual pouco ou nada contam.
Outra tem a ver com o próprio dirigismo nos clubes, com o perfil de
quem a eles preside, com o entendimento que tem do que deve ser o futuro do
futebol e com o papel que acham que a Liga nele deve ter .
Tenho um “ velho “ amigo, profundo conhecedor da realidade do futebol
português, que me diz com muita piada que no tempo da ditadura os clubes eram
geridos em democracia e agora em tempo de democracia os clubes são geridos em
ditadura.
Não serão todos, é evidente, mas serão uma grande parte.
E nessa parte se incluem os que de facto mandam no futebol português.
É, se calhar, uma bela explicação para tudo a que vimos assistindo e
vamos continuar a assistir sabe-se lá até quando.
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