A política existe, enquanto actividade social ,desde que existe a raça
humana enquanto que o desporto mais popular do planeta-futebol-existe desde o
século XIX quando começou a ser regularmente praticado em Inglaterra país onde
ainda hoje atinge a sua dimensão máxima enquanto desporto de multidões.
Quer na forma como é encarado pelos adeptos, quer na seriedade das
competições que lá se disputam, quer com
o “fair play” e a verdade desportiva inigualáveis que o caracterizam.
São pois duas actividade tão antigas que é incompreensível que não
sejam olhadas com a maturidade inerente ao longo tempo de prática , à
necessária harmonização dos muitos pontos em que se cruzam e à experiência de
coexistência que evidenciam.
E assim é em quase todo o lado, por maioria de razão em Inglaterra mas
também na generalidade dos países europeus, sendo já poucos os casos em que o
futebol e a política não conseguem viver em conjunto de forma minimamente
harmoniosa.
Bastando para tanto que os decisores políticos respeitam totalmente a autonomia
do futebol e os dirigentes do futebol não façam da modalidade uma catapulta
para servir os seus interesses políticos.
Mas se assim é em quase todo o lado há sempre as excepções que
confirmam a regra e que tem em Portugal (como não ?) um expoente de má
convivência entre as duas actividades com atropelos em ambas as direções.
No típico farisaismo nacional, patente em tantas áreas mas
especialmente acutilante quando se trata do futebol e da política, o mais comum
é assistirmos aquele discurso supostamente moralizador vindo da política e que
marca uma doutrina de incomunicabilidade entre as duas actividades pregando que
política e futebol não tem que se misturar e que quem está num lado tem de se
manter distante do outro.
Mas depois vem os triunfos das seleções, as vitórias em campeonatos
nacionais (pouco importa o escalão) e até triunfos em competições europeias e
lá vai a teoria com os dirigentes políticos, desde o Presidente da República ao
mais humilde presidente de junta de freguesia, passando pelos omnipresentes presidentes
de câmara ,a atropelarem-se para aparecerem ao lado dos vencedores e poderem
também eles tirar umas selfies com quem ganhou e com a taça ou medalha.
Aí nunca mais se lembram da teoria da absoluta separação entre
política e futebol.
Já não dá jeito.
Mas se o atrás narrado pertence ao domínio do farisaico a seguir
falaremos do preconceito.
Que é o de se considerar que nem os políticos devem falar de futebol
nem os dirigentes do futebol devem pronunciar-se sobre questões políticas
porque no primeiro caso podem acarretar impopularidades inconvenientes e no
segundo podem aproveitar-se do protagonismo do futebol para poderem concorrência
política aos que na política já estão.
É um preconceito baseado na (errada)convicção de que o povo não sabe
distinguir as coisas e portanto não consegue colocar cada um na sua prateleira
e da mistura resultante podem resultar graves inconvenientes para o país , quiçá
a própria União Europeia e até o mundo por inteiro.
Ora isso não é verdade.
E pequena prova disso é o facto de gente que diaboliza o político
André Ventura ande desde ontem à noite a santificar o comentador desportivo
André Ventura provando que as suas opiniões até podem ser excelentes se proferidas
num contexto que dê jeito...
Como, outro exemplo, é comum que alguns dos que teorizam sobre a
necessidade de separar futebol e política sejam os mesmos que anualmente
promovem nos restaurantes da Assembleia da República jantares dos presidentes
de Benfica ,Porto e Sporting com os deputados afectos a esses clubes naquilo
que é a mais evidente mistura entre política e futebol que se possa imaginar e
que prova o quão preconceituoso o principio de facto é.
A não ser que, e desconfio bem disso, esse princípio dos políticos não
deverem falar de futebol e os dirigentes desportivos não se deverem imiscuir em
política se aplique apenas a dirigentes políticos e desportivos que não estejam
ligados aos chamados “grandes” do nosso futebol e que portanto convenha manter o
mais calados possível.
A mim, enquanto cidadão, contribuinte e adepto do Vitória Sport Clube
nada me preocupa ver políticos a falarem de futebol nem dirigentes desportivos
a falarem de política porque isso insere-se nas liberdades, direitos e garantias
que a Constituição prevê para todos os cidadãos deste país.
Eu próprio, que já estive dos dois lados e às vezes em simultâneo,
soube sempre separar a intervenção política da opinião desportiva e creio que é
normal que assim seja com muitas outras pessoas.
Agora já me preocupa, isso sim, ver políticos a decidirem sobre
futebol.
A decidirem perdões fiscais, a aceitarem papel de embrulho (vulgo
acções) como garantia das dívidas de um clube, a darem terrenos públicos a uns clubes mas não a outros, a pedincharem
bilhetes para camarotes presidenciais de clubes com dividas ao Estado, a
sentarem-se orgulhosamente ao lado de gente da qual deviam (enquanto
governantes) manter prudente distância e por aí fora numa falta de isenção e
equidistância que também contribui para as assimetrias e injustiças do futebol.
O que nos leva a outra área. A do faz de conta.
Que leva à questão da corrupção.
Em Portugal se há discurso transversal a todas (sem excepção) forças
políticas e na ponta da língua de todos os cidadãos é o combate à corrupção.
Ainda agora na abertura do ano judicial Presidente da República, Presidente
da Assembleia da República, Ministra da Justiça, Procuradora Geral da República
puseram nos seus discursos o maior enfâse na necessidade de combater a
corrupção.
Toda a gente quer combater a corrupção.
Mas quando se trata do futebol, aí, alto e para o baile.
A fúria justiceira contra a corrupção abranda, acalma, para e
desaparece.
Porque gente que é séria na sua vida pessoal e profissional, que é genuína no desejo de ver
acabar a corrupção, quando se trata de ver o seu clube ganhar aí já opta pelo “vale
tudo” ora com a desculpa de que os “outros” também ganham assim (como se alguém matar dê a outrem o direito
de também o fazer)ora com o espantoso discurso de que o futebol é um mundo
aparte e mais vale não mexer muito com isso!
E portanto o combate à corrupção no futebol é, em Portugal, um
verdadeiro faz de conta.
De que dou apenas dois exemplos:
Está preso, e os seus supostos crimes a serem investigados, o hacker
Rui Pinto.
E os gravíssimos crimes que ele denunciou ? Estão a ser investigados? Estão
os seus presumíveis autores a contas, ao menos, com um processo de inquérito?
Todos sabemos que não.
O outro exemplo tem a ver com um juiz recentemente expulso, e muito
bem, da Magistratura por favores ilegais prestados a terceiros que toda a gente
sabe quem são.
Foram os terceiros alvo de investigação? De inquérito? Chamados às
suas responsabilidades?
Também sabemos que não.
São apenas dois exemplos mas que provam bem o faz de conta que em
Portugal se pratica no “combate” à corrupção no futebol.
Em conclusão penso que não há nenhum problema em existirem vasos
comunicantes entre a política e o futebol (até porque alguns são inevitáveis)
se eles forem percorridos de ambos os lados por gente responsável, que saiba
respeitar as especificidades de cada um e que a cada momento saiba onde se
posicionar.
Podendo perfeitamente os políticos pronunciarem-se sobre futebol e os
dirigentes desportivos sobre política.
É da ordem natural das coisas.
E um ultimo exemplo provando que às vezes política e futebol deviam
mesmo misturar-se:
Quando o Vasco Rodrigues me fez o lisonjeiro convite para escrever
este texto para a “Economia do Golo” pensei debruçar-me sobre o Vitória-Benfica
do passado sábado não na optica da análise futebolística propriamente dita mas na
perspectiva do que aconteceu depois desde as declarações de Miguel Pinto Lisboa
ao lamentável comunicado do Benfica passando por algumas opiniões que vi
publicadas no jornal do clube de Lisboa conhecido como “A Bola” de ataque ao
Vitória e ao seu Presidente.
Depois preferi outro tema para o artigo até por já ter escrito o
suficiente sobre esse assunto.
Mas não deixei de constatar que políticos vimaranenses, de vários
quadrantes, que adoram frequentar o camarote presidencial do estádio D.Afonso
Henriques, que fazem questão de aparecerem ao lado de equipas e atletas do
Vitória quando há títulos a festejar e troféus a exibir, que não dispensam uma
romaria ao clube em tempo de campanhas eleitorais estão agora
estranhamente calados quando o Vitória , Miguel Pinto Lisboa , os vitorianos e
até a cidade de Guimarães estão debaixo do fogo de alguma comunicação social e são
alvos de violentas criticas de um clube conhecido pelo seu poder tentacular.
Não querem, agora, misturar política com futebol ?
Pois...pois...
Neste contexto não dá jeito!
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