domingo, fevereiro 07, 2021

João Henriques

 O meu artigo desta semana no zerozero

Costumo dizer que um clube com dificuldades financeiras tem que poupar em tudo menos no treinador porque não há ninguém mais decisivo no sucesso desportivo de uma equipa que o seu líder técnico e , consequentemente, não há nada mais adequado para um clube sair de uma crise do que o sucesso desportivo.
O Vitória não foge à regra.
E ao longo da sua História, para o ano centenária, tem tido treinadores que marcaram de forma indelével o seu percurso e que ficarão para sempre na galeria de notáveis do clube por tudo aquilo que lhe deram, pelas conquistas que permitiram, pela saudade que as equipas por eles treinadas deixaram na memória dos adeptos.
Pelo exigente banco do Vitória passaram ao longo de todos estes anos grandes treinadores, dos melhores que existiram em Portugal, de que citarei apenas aqueles cujas equipas vi jogar porque dos outros apenas conheço o que li e ouvi de quem os viu treinar.
Jorge Vieira que alcançou pela primeira vez o terceiro lugar e ficou a três pontos de ser campeão; José Maria Pedroto que deixou uma marca de ambição com profundos reflexos futuros e teve influência até na modernização patrimonial; Raymond Goethals que terá sido o treinador estrangeiro de maior curriculo que passou pelo  Vitória; Marinho Peres que deu sequência ao notável trabalho de António Morais e construiu a equipa que ainda hoje permanece no imaginário dos vitorianos; Quinito que escreveu belas páginas de futebol e também conseguiu um terceiro lugar; Manuel Cajuda que tirou o clube do inferno da II liga e a levou no ano seguinte à pré eliminatória da Liga dos Campeões e Rui Vitória que conquistou para o clube a sua primeira taça de Portugal.
Outros houve como Mário Wilson( recordista de tempo à frente da equipa), Fernando Caiado, Paulo Autuori, João Alves, Artur Jorge (como adjunto de Pedroto) , Manuel Machado, Geninho (o homem do primeiro titulo nacional), Manuel José, Luís Castro, Augusto Inácio, Jorge Jesus que também deixaram a sua marca e rubricaram trabalho de boa valia merecendo igualmente figurar no rol daqueles a que devemos estar gratos pelo contributo que deram ao clube.
Ficando ainda por citar outros nomes certamente.
Pode por esta galeria de treinadores perceber-se que o Vitória nem sempre tendo disputado os primeiros lugares classificativos teve sempre técnicos de grande valia e que faziam, e alguns ainda fazem, parte de um naipe exclusivo de treinadores de altíssima qualidade pelo que nessa matéria o clube esteve sempre na primeira linha do nosso futebol.
É verdade que uns mais do que outros cairam no goto dos adeptos, quer pelos resultados quer pela propria forma de ser e pelo carisma que uns tinham e outros nem tanto, e aí não será arriscado afirmar que Pedroto, Marinho Peres, Quinito e Cajuda foram aqueles que calaram mais fundo no sentimento dos vitorianos sem prejuízo do apreço por todos os outros.
Esta época o Vitória quebrou um pouco a regra de apostar em treinadores consagrados, com currículo e trabalho conhecido, em prol da opção por um jovem que nem o IV nível de treinador tinha (e que não mereceu nem justificou a oportunidade) não sendo grande surpresa que as coisas tenham corrido mal e a experiência sido curta.
E no ser curta, por o jovem ter tomado a única boa decisão enquanto treinador do Vitória que foi a de se ir embora, esteve paradoxalmente a sorte do clube porque acertou em cheio no substituto ao contratar João Henriques que em anos anteriores tinha rubricado trabalho de mérito ao serviço do Santa Clara dos Açores.
Porque ao chegar ao Vitória, com a sapiência dos que tem sucesso, o treinador teve a humildade de perceber o clube, consciencializar-se do quão especial é em termos de adeptos , entender que há neles, adeptos, um enorme desejo de conquistas mas também a frustração de sucessivas desilusões e olhar friamente para a realidade que se lhe deparava em termos de plantel à sua disposição.
Percebeu que estava bem servido de guarda redes, de médios, de extremos, de laterais mas que a nível de centrais faltava quantidade na qualidade e no ataque a carência de goleadores era clara face à relativa produção goleadora de Bruno Duarte e à gritante inexperiência dos dois jovens que se perfilavam como alternativas.
E agiu em dois tempos:
Montou a equipa face a essas realidades , construindo soluções que se tem mostrado extremamente competitivas em jogos fora (onde não perdeu um jogo em toda a primeira volta e sofreu apenas três golos) enquanto nos jogos em casa as carências referidas afectaram os resultados numa primeira fase mas parecem agora superadas.
E fez com inteligência o que se exige a qualquer treinador do Vitória.
Olhou para dentro com olhos de ver.
Olhou para a equipa B, olhou para os sub 23, percebeu que havia lá mais valias a explorar e o primeiro sinal disso foi chamar à primeira equipa Óscar Estupiñan que de marginalizado e posto à parte pelo anterior técnico se transformou no goleador da equipa com cinco golos em seis jogos (mais um na taça da liga face ao Benfica) e deu uma dimensão goleadora à equipa que ela até então não tinha.
Mas também já deu oportunidades a outros jovens como Zie Ouattara e André Amaro ,que já se estrearam, ou Luís Esteves e Tomás Handel que já figuraram em convocatórias e mais dia menos dia jogarão e na hora de o mercado de Janeiro estar aberto fez apenas uma contratação (Rúben Lameiras) que lhe dá várias opções e considerou que tinha dentro de portas as restantes soluções necessárias.
Com todas essas opções, que nalguns casos significaram correr riscos, João Henriques construiu uma equipa sólida, competitiva, com grande sentido de entreajuda e onde a juventude de alguns é compensada pela experiência de veteranos que jogam a com a alegria de meninos e dão ao conjunto um misto de irreverência e maturidade que tem resultado muito bem.
Concluida a primeira volta, e com um jogo em atraso, o Vitória está na luta por um lugar europeu transmitindo a clara sensação de que ele será possível se a segundo volta, como tudo indica, ainda for melhor que a primeira agora que o plantel assimilou plenamente as ideias do treinador e este conhece muito bem os recursos humanos ao seu dispor.
É cedo para se saber se João Henriques terá o sucesso de alguns que atrás citei , se conquistará troféus e apuramentos europeus, se ficará na nossa História como um dos melhores treinadores  que por cá passaram.
Mas é tempo de dizer que é um excelente treinador, que foi uma opção absolutamente acertada e que é o homem certo no lugar certo neste Vitória de 2020/2021.
E dizer isso já não é dizer nada pouco!

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