O meu artigo desta semana no zerozero
Costumo dizer que um clube com dificuldades financeiras tem que poupar
em tudo menos no treinador porque não há ninguém mais decisivo no sucesso
desportivo de uma equipa que o seu líder técnico e , consequentemente, não há
nada mais adequado para um clube sair de uma crise do que o sucesso desportivo.
O Vitória não foge à regra.
E ao longo da sua História, para o ano centenária, tem tido
treinadores que marcaram de forma indelével o seu percurso e que ficarão para
sempre na galeria de notáveis do clube por tudo aquilo que lhe deram, pelas
conquistas que permitiram, pela saudade que as equipas por eles treinadas
deixaram na memória dos adeptos.
Pelo exigente banco do Vitória passaram ao longo de todos estes anos
grandes treinadores, dos melhores que existiram em Portugal, de que citarei
apenas aqueles cujas equipas vi jogar porque dos outros apenas conheço o que li
e ouvi de quem os viu treinar.
Jorge Vieira que alcançou pela primeira vez o terceiro lugar e ficou a
três pontos de ser campeão; José Maria Pedroto que deixou uma marca de ambição
com profundos reflexos futuros e teve influência até na modernização
patrimonial; Raymond Goethals que terá sido o treinador estrangeiro de maior
curriculo que passou pelo Vitória;
Marinho Peres que deu sequência ao notável trabalho de António Morais e
construiu a equipa que ainda hoje permanece no imaginário dos vitorianos;
Quinito que escreveu belas páginas de futebol e também conseguiu um terceiro
lugar; Manuel Cajuda que tirou o clube do inferno da II liga e a levou no ano
seguinte à pré eliminatória da Liga dos Campeões e Rui Vitória que conquistou
para o clube a sua primeira taça de Portugal.
Outros houve como Mário Wilson( recordista de tempo à frente da
equipa), Fernando Caiado, Paulo Autuori, João Alves, Artur Jorge (como adjunto
de Pedroto) , Manuel Machado, Geninho (o homem do primeiro titulo nacional), Manuel José, Luís Castro, Augusto Inácio, Jorge
Jesus que também deixaram a sua marca e rubricaram trabalho de boa valia
merecendo igualmente figurar no rol daqueles a que devemos estar gratos pelo
contributo que deram ao clube.
Ficando ainda por citar outros nomes certamente.
Pode por esta galeria de treinadores perceber-se que o Vitória nem
sempre tendo disputado os primeiros lugares classificativos teve sempre
técnicos de grande valia e que faziam, e alguns ainda fazem, parte de um naipe
exclusivo de treinadores de altíssima qualidade pelo que nessa matéria o clube
esteve sempre na primeira linha do nosso futebol.
É verdade que uns mais do que outros cairam no goto dos adeptos, quer
pelos resultados quer pela propria forma de ser e pelo carisma que uns tinham e
outros nem tanto, e aí não será arriscado afirmar que Pedroto, Marinho Peres,
Quinito e Cajuda foram aqueles que calaram mais fundo no sentimento dos
vitorianos sem prejuízo do apreço por todos os outros.
Esta época o Vitória quebrou um pouco a regra de apostar em treinadores
consagrados, com currículo e trabalho conhecido, em prol da opção por um jovem
que nem o IV nível de treinador tinha (e que não mereceu nem justificou a
oportunidade) não sendo grande surpresa que as coisas tenham corrido mal e a
experiência sido curta.
E no ser curta, por o jovem ter tomado a única boa decisão enquanto
treinador do Vitória que foi a de se ir embora, esteve paradoxalmente a sorte
do clube porque acertou em cheio no substituto ao contratar João Henriques que
em anos anteriores tinha rubricado trabalho de mérito ao serviço do Santa Clara
dos Açores.
Porque ao chegar ao Vitória, com a sapiência dos que tem sucesso, o
treinador teve a humildade de perceber o clube, consciencializar-se do quão
especial é em termos de adeptos , entender que há neles, adeptos, um enorme
desejo de conquistas mas também a frustração de sucessivas desilusões e olhar
friamente para a realidade que se lhe deparava em termos de plantel à sua
disposição.
Percebeu que estava bem servido de guarda redes, de médios, de
extremos, de laterais mas que a nível de centrais faltava quantidade na
qualidade e no ataque a carência de goleadores era clara face à relativa
produção goleadora de Bruno Duarte e à gritante inexperiência dos dois jovens
que se perfilavam como alternativas.
E agiu em dois tempos:
Montou a equipa face a essas realidades , construindo soluções que se
tem mostrado extremamente competitivas em jogos fora (onde não perdeu um jogo
em toda a primeira volta e sofreu apenas três golos) enquanto nos jogos em casa
as carências referidas afectaram os resultados numa primeira fase mas parecem
agora superadas.
E fez com inteligência o que se exige a qualquer treinador do Vitória.
Olhou para dentro com olhos de ver.
Olhou para a equipa B, olhou para os sub 23, percebeu que havia lá
mais valias a explorar e o primeiro sinal disso foi chamar à primeira equipa
Óscar Estupiñan que de marginalizado e posto à parte pelo anterior técnico se
transformou no goleador da equipa com cinco golos em seis jogos (mais um na
taça da liga face ao Benfica) e deu uma dimensão goleadora à equipa que ela até
então não tinha.
Mas também já deu oportunidades a outros jovens como Zie Ouattara e
André Amaro ,que já se estrearam, ou Luís Esteves e Tomás Handel que já
figuraram em convocatórias e mais dia menos dia jogarão e na hora de o mercado
de Janeiro estar aberto fez apenas uma contratação (Rúben Lameiras) que lhe dá
várias opções e considerou que tinha dentro de portas as restantes soluções
necessárias.
Com todas essas opções, que nalguns casos significaram correr riscos,
João Henriques construiu uma equipa sólida, competitiva, com grande sentido de
entreajuda e onde a juventude de alguns é compensada pela experiência de
veteranos que jogam a com a alegria de meninos e dão ao conjunto um misto de
irreverência e maturidade que tem resultado muito bem.
Concluida a primeira volta, e com um jogo em atraso, o Vitória está na
luta por um lugar europeu transmitindo a clara sensação de que ele será
possível se a segundo volta, como tudo indica, ainda for melhor que a primeira
agora que o plantel assimilou plenamente as ideias do treinador e este conhece
muito bem os recursos humanos ao seu dispor.
É cedo para se saber se João Henriques terá o sucesso de alguns que
atrás citei , se conquistará troféus e apuramentos europeus, se ficará na nossa
História como um dos melhores treinadores
que por cá passaram.
Mas é tempo de dizer que é um excelente treinador, que foi uma opção
absolutamente acertada e que é o homem certo no lugar certo neste Vitória de
2020/2021.
E dizer isso já não é dizer nada pouco!
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