quarta-feira, junho 24, 2020

G-15

O meu artigo desta semana no zerozero.
Formalmente o grupo chamado de G-15 não existe nem consta que alguma vez tenha existido.
Mas periodicamente, ao sabor dos “roubos de igreja “ do nosso futebol e de outras questões em que há três sempre favorecidos e muitos continuamente desfavorecidos, vai-se falando desse mitológico G-15 que qual D. Sebastião um dia sairá do nevoeiro para devolver ao futebol aquela verdade desportiva a todos os níveis que em boa verdade ele nunca teve.
Entende-se assim o G-15 como um movimento reivindicativo de todos os clubes da primeira liga , ao qual desejavelmente se poderiam juntar clubes da segunda liga com frequência regular da primeira, para imporem no futebol uma nova ordem e romperem de vez com o “status quo” que favorece desde sempre Benfica, Porto e Sporting.
A verdade é que nunca foi feito nada de concreto para esse movimento se institucionalizar, organizar e ganhar a força necessária a influenciar decisões estruturais do nosso futebol e mudar o actual paradigma de completa falta de verdade desportiva.
De vez em quando, ao sabor desta ou daquela arbitragem que lese este ou aquele clube, lá aparece o presidente do clube lesado a falar na importância do G-15, na necessidade de o tornar actuante, mas rapidamente se esquece do assunto ao sabor de mais um jogador emprestado, mais uma transferência ligeiramente acima do valor do transferido, mais uma palavrinha dado pelo poderoso de serviço que desbloqueie este ou aquele problema.
E o G-15 volta a cair no esquecimento.
E é pena.
Porque face à forma como Benfica, Porto e Sporting se posicionam perante os outros clubes, quase como senhores feudais perante os seus vassalos, bem preciso é que haja a coragem de os pôr no seu lugar e fazê-los perceber que pese embora a sua dimensão associativa ser maior que a dos outros os seus deveres e direitos são exactamente os mesmos.
E aí seria o terreno em que o G-15 poderia ter o seu papel.
Desde que os clubes integrantes, os tais 15 da primeira liga mais os da segunda que se quiserem associar, sejam dirigidos por presidentes capazes de assumirem compromissos até ao fim, não caiam na tentação de por baixo da mesa negarem o que por cima assumem, não cedam ao negócio “espertalhão” com este ou aquele dos três habituais e essencialmente por baixo da camisola do seu clube não vistam uma camisola “interior” vermelha, azul e branca ou verde e branca!
E quais são as áreas em que o G-15 deveria intervir de imediato?
Desde logo na fundamental questão da negociação centralizada dos direitos televisivos que é absolutamente decisiva para um maior equilíbrio competitivo do nosso futebol .
E que por isso tem merecido a resistência de SLB, FCP e SCP que não só não querem (mal, mas isso será assunto para outro artigo) um futebol mais competitivo como sabem que receberão mais com a negociação individual do que com a colectiva.
Porque ninguém negando que esses três clubes pela sua dimensão associativa e mediática devem receber mais que os outros é absolutamente óbvio que no actual cenário recebem demais enquanto os outros recebem de menos e isso tem de ser alterado rapidamente em prol de um campeonato muito mais competitivo.
E por isso uma distribuição mais justa das verbas televisivas, observando critérios que respeitem a dimensão, palmarés e classsifcações  nos últimos campeonatos é um passo indispensável para que cada clube possa ter acesso a mais dinheiro, e consequentemente a possibilidade de construir equipas mais competitivas, melhorando o nível das competições.
Outra questão que me parece para actuação do G-15 é a que se prende com as mentalidades que levam a práticas inaceitáveis.
Nomeadamente as mentalidades que consideram que existem três clubes num patamar e os restantes num patamar inferior com tudo que isso significa em termos de violação da verdade desportiva das competições, do tratamento de favor que esses clubes recebem, da vergonhosa discriminação com que quase toda a comunicação social trata os restantes.
E isso começa dentro da própria Liga perante o gáudio dos favorecidos e o silêncio envergonhado e complacente dos restantes.
Como é que alguém se pode admirar com aquela triste romaria a S.Bento em que ao lado dos presidentes da FPF e da LPFP marcharam os presidentes dos três clubes habituais (perante, uma vez mais, o silêncio de quase todos os outros com as honrosas excepções de Vitória Sport Clube e Marítimo se bem me lembro) consagrando uma discriminação que devia envergonhar em vez de ser regra se nos próprios actos da Liga isso é comum?
Quando os clubes aceitam, a título de exemplo, que no próprio sorteio dos campeonatos existam regras especiais para Benfica, Porto e Sporting (não podem jogar entre si nas primeiras jornadas, não podem defrontar-se em duas jornadas consecutivas, etc) como podem admirar- se depois que nas arbitragens, nos VAR, na disciplina isso seja levado à letra e também esses clubes tenham tratamentos “especiais”?
E por isso o G-15 devia, se existisse é claro, exigir um sorteio absolutamente livre e sem condições tratando todos os clubes por igual porque é profundamente injusto que para uma mesma competições existam competidores com tratamentos diferentes.
Finalmente o “fair play” financeiro.
Que a UEFA impõe aos clubes que participam nas competições europeias mas em termos nacionais é assunto que nem falado é.
É profundamente injusto que joguem na mesma competição clubes com passivos brutais na ordem dos 200, 300, 400 ou mais milhões de euros, que ninguém os obriga a pagar, a par de outros com pequenos passivos (mas que tem de pagar ao cêntimo sem qualquer contemplação ou condescendência) ou até sem passivo.
Com a agravante de esses clubes com grandes passivos, oriundos de má gestão, ainda poderem contrair empréstimos obrigacionistas ao mesmo tempo que adiam o pagamento dos anteriores,  terem recurso a crédito bancário para pagamento de salários e perdões de passivo em montante escandalosamente grandes e bem maiores que qualquer passivo de qualquer outro dos clubes “filhos de um Deus menor”.
E por isso a esses clubes, crónicos devedores, deviam ser impostas limitações sérias nomeadamente nas verbas que dispendem com a contratação de jogadores e na obrigatoriedade de tectos salariais em função das dívidas.
Só para combater por estas três causas já vale bem a pena a existência de um G-15.
Sob pena de continuarmos a ter um futebol cada vez menos competitivo, cada vez com maiores atropelos à verdade desportiva, de dia para dia mais fraudulento para quem paga bilhetes, paga cotas, compra lugares anuais, investe promocionalmente em clubes e tem como retorno as mentiras que de jornada a jornada acontecem nos estádios deste país.
Tem a palavra os clubes.

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