Creio que com alguma subjectividade interpretativa é possível estabelecer uma cronologia daquilo que se passou no Parlamento em volta da eleiçao do presidente da mesa e segunda figura do Estado.
Num primeiro momento o líder parlamentar do PSD, Miranda Sarmento, terá falado com os líderes parlamentares de PS, Chega e IL (com o do PSD os quatro maiores grupos parlamentares) comunicando-lhe que o PSD apresentaria o nome de Aguiar Branco como candidato a presidente da mesa e que simultâneamente viabilizaria os nomes que esses partidos apresentassem para vice presidentes como é da boa tradição democrática.
Com alguma boa vontade pode chamar-se a isso um acordo embora o termo entendimento me pareça mais apropriado.
André Ventura, que há muito queria ter um acordo com o PSD para anunciar ao país e resiste mal à visão de microfones à sua frente, apressou-se a vir a público anunciar a existência de um acordo e enunciando os seus termos num acto perfeitamente desnecessário.
Mas o assunto podia ter morrido ali, e a eleição de Aguiar Branco ter-se verificado sem problemas, não fora outros dirigentes da AD que também não sabem estar calados e falam de tudo mesmo do que não lhes diz respeito terem vindo a público desmentir qualquer acordo acusando implicitamente o líder do Chega de estar a mentir.
Tenho dificuldade em perceber porque razão o líder do pequeno CDS que não é tido nem achado para o que estava em causa e um VP do PSD que nem deputado é tinham que vir a público falar do que não sabiam nem lhes dizia respeito quando o assunto sendo da responsabilidade do PSD estava a ser bem tratado pelo líder parlamentar do partido.
Só podia dar asneira como deu.
E quando na primeira votação Aguiar Branco não é eleito percebeu-se que vinham aí problemas embora sem se saber qual a dimensão e a duração dos mesmos.
Simultâneamente, e profundamente lamentável, dá-se oportunidade à esquerda de fazer a sua primeira festa em torno do assunto dizendo que os acordos à direita nem 24 horas conseguiam durar.
Ao mesmo tempo Ventura comete outro erro ao vir dizer publicamente que tinha aconselhado os seus deputados a mesmo com as declarações dos tais dirigentes do PSD e do CDS votarem em Aguiar Branco deixando claro uma de duas coisas: Ou nem um dos seus deputados seguiu a sua orientação ou então faltou á verdade quando disse que tinha dado essa orientção.
Não há outra leitura possível!
A seguir aconteceu o que se sabe.
O PSD anuncia que Aguiar Branco se retira da corrida (uma atitude precipitada do meu ponto de vista) e o PS tenta aproveitar o vazio lançando a candidatura de de Francisco Assis o que leva o PSD a dar o dito por não dito e relançar Aguiar Branco enquanto o Chega apresenta também a candidatura de Manuela Tender.
Os resultados foram os esperados.
Assis foi o mais votado, Aguiar Branco tem menos dois votos e Tender tem os votos do Chega nenhum atingindo os necessários 116 votos.
Repetida a votação os números foram idênticos e a AR continuou sem presidente da mesa!
No entretanto todos os partidos aproveitaram as longas horas passadas para irem fazendo as suas declarações com a esquerda a bater na direita e a direita a ajudar batendo uns nos outros.
Surreal.
Criado o impasse era tempo de arranjar soluções e fazer opções.
Na certeza de que as opções feitas não se esgotavam neste processo e vão ter sérias implicações no decorrer da legislatura.
E , com todo o respeito por todos os partidos, há que dizer que apenas três partidos contavam para a solução fosse ela qual fosse.
PSD, PS e Chega.
E para o PSD a questão era clara.
Ou falava com o PS, ou com o Chega, ou com ambos que era, do meu ponto de vista, a melhor solução.
Ao que se sabe falou apenas com o PS.
Com o qual acordou a presidência rotativa (duas primeiras sessões legislativas presididas por um deputado do PSD e as outras duas por um deputado do PS) que sendo uma solução pouco habitual não é, ainda ssim, original dado já ter acontecido no passado embora nunca entre um partido de governo e um partido de oposição.
E ao fazer esse acordo, que apenas garante a eleição do presidente do parlamento, o PSD sabe duas coisas.
Que do PS apenas pode esperar a viabilização do programa de governo e de um eventual orçamento rectificativo ( algo que aliás já se sabia há muito pelo que não há nenhuma nova contrapartida dada pelo PS) sendo certo que os socialistas votarão contra o Orçamento de Estado para 2025.
E que do Chega terá uma oposição radicalizada por este processo o que levará a que futuros entendimentos sejam ainda mais difíceis.
Sabendo-se que para aprovar o O.E. o governo precisa do voto favorável do Chega ou do PS percebe-se até que ponto esta opção por falar apenas com o PS é arriscada e lança sombrias perspectivas sobre o futuro do governo.
Ganhos e perdas?
O PS só tem ganhos
Em 2015 tinha perdido as eleições mas fez a geringonça e governou. Em 2024 perdeu as eleições mas sem ceder nada consegue eleger um presidente do parlamento para meia legislatura e vê o governo mais dependente dele depois de todo este processo.
O PSD perde mais do que ganha.
Ganha ao salvar a eleição de Aguiar Branco , mas apenas para a primeira metade da legislatura (dirão os cínicos que é a única que vai haver ) mas perde ao fechar a porta do Chega e ficar dependente de quem sabe que apenas espera a altura propícia para fazer cair o governo.
Sendo certo que se ainda houver margem para futuras negociações, o que é bastante duvidoso mas não impossível, com o Chega o preço vai subir.
Faltando ainda saber, mas isso fica para depois, de que forma os eleitores da AD encararão este acordo com o PS.
O Chega ganha e perde.
Ganha porque apesar das polémicas consegue eleger os seus deputados para a Mesa do parlamento e porque "empurra" o PSD para o PS que é algo que lhe pode criar ainda mais espaço na direita, com as naturais consequências eleitorais, para lá de poder afirmar-se como de completa oposição.
Aliás já o fez insinuando o voto contra o OE em novembro.
Mas também perde porque a imagem que o partido deu foi de inconstância, de contradições entre o que afirmou e o que fez, de radicalização de posições que podem render no curto prazo mas é duvidoso que o façam num prazo mais longo.
Os restantes partidos nem ganham nem perdem porque em bom rigor não contam para a formação de maiorias positivas ou negativas.
Resolvido o imbróglio, bem ou mal o futuro o dirá, há que esperar que agora o governo tome posse e inicie um percurso que inevitavelmente será um "caminho das pedras" mas que se espera seja bem sucedido.
Como se diz noutros âmbitos não importa como as coisas começam mas sim como acabam e essa é uma máxima que dá muito jeito depois destes dois dias insólitos.
Depois Falamos.