terça-feira, agosto 15, 2017

As Rádios Locais

O meu artigo desta semana no Duas Caras.
A década de 80 do século passado trouxe à comunicação social portuguesa a maior revolução da sua História com a aparição por todo o país de um fenómeno chamado “rádios locais” e que rapidamente se implantou de norte a sul do país com as novas emissoras a surgirem como cogumelos um pouco por todo o lado.
Num panorama comunicacional que em que havia apenas dois canais de televisão da RTP (as televisões privadas surgiriam pouco depois) e duas rádio nacionais  que eram a RDP (com vários canais) e a Rádio Renascença que também emitia através da RFM, o surgimento das então chamadas “rádio piratas” por operarem sem qualquer licenciamento foi uma brutal lufada de ar fresco depois da qual nada ficou como dantes.
Da TSF, que se transformou numa rádio nacional de referência, à mais modesta rádio local foram um espaço de inovação, de fazer diferente, de revelar talentos que depois em muitos casos viriam a fazer carreira nos grandes orgãos de comunicação nacional.
Sem meios financeiros, com meios técnicos inicialmente débeis, com enormes dificuldades em serem reconhecidas pelos diversos poderes, dos autárquicos aos nacionais, sem acesso (na esmagadora maioria dos casos) a ferramentas de informação como era então o telex (muitos dos que lerão isto nem sequer terão visto um aparelho desses na vida) os colaborados das rádios locais nao tiveram vida fácil e recorrerem à imaginação, à arte de desenrascar, ao superarem com trabalho o que lhes faltava em termos de meios foi a única solução para fazer os projectos radiofónicos andarem para a frente.
Obviamente, é da vida, que muitos desses projectos ficaram pelo caminho ou porque não foram licenciados quando o governo de então, e bem, resolveu impor ordem no panorama radiofónico ou porque os projectos em si não eram suficientemente fortes para se manterem passado o entusiasmo inicial da sua caminhada.
Hoje, também por força da internet, das redes sociais, das rádios digitais, das televisões privadas, dos inúmeros canais por cabo, das dificuldades económicas que o país, e por tabela as empresas, enfrentaram e que se reflectiu fortemente no mercado publicitário que é o único sustento das rádios (pelo menos em termos legais…) muitas delas fecharam portas ou encontram-se em estado quase vegetativo por falta de meios financeiros.
Creio ser, com grande pena minha que sempre fui um entusiasta das rádios locais e colaborador de algumas deles desde a primeira hora, um declínio irreversível face ao contexto em que operam e à feroz concorrência que enfrentam por parte de outros meios de comunicação publicitariamente muito mais apetecíveis.
E o caminho que lhes resta em alguns casos, até para sustentarem estruturas “pesadas” para a realidade dos tempos que correm, é o encostarem-se literalmente aos poderes, nomeadamente os autárquicos, porque deles provém sempre um razoável caudal de publicidade e não só que permite ir aguentando o “barco” durante tanto tempo quanto for possível.
Claro que o preço dessas “ligações perigosas” paga-se em termos de credibilidade, de isenção, de “favores” que se tem de fazer, da perda de qualquer independência informativa e opinativa nas antenas das rádios que passam a ser pouco mais do que uma caixa de ressonância do poder naquilo que ao poder interessa mesclada de alguma programação atractiva para una vasta camada de ouvintes e que funciona como o “queijo” na ratoeira que atrai os ratinhos para onde o “dono “ da ratoeira quer.
Pessoalmente tive um percurso nas rádios locais de Guimarães, e não só, do qual me lembro com saudade e que constituiu dos tempos mais gratificantes que vivi em termos de colaboração com a comunicação social.
Fui dos primeiros colaboradores da extinta Rádio Guimarães onde juntamente com o Miguel Laranjeiro, o Bento Rocha, o Dino Freitas, o Amadeu Portilha, o Esser Jorge, o José Luís Ribeiro, o Carlos Cerca e tantos outros pusemos de pé aquele que terá sido o mais motivador e desafiante projecto de rádio local que Guimarães alguma vez conheceu.
Durou pouco, é verdade, mas foi muito bom!
Depois colaborei durante anos com a Rádio Fundação, especialmente em programas de debate político mas também na sua equipa desportiva nos primeiros tempos que por lá passei, colaboração que mantive esporadicamente ao longo dos anos,com especial incidência nos últimos três onde a convite do António Magalhães (outro da primeira hora das rádios locais) integrei painéis de debate político onde tive muito gosto em estar, e que cessou o mês passado.
Mas também na Santiago, em programas desportivos e políticos, passei muitas centenas de horas de colaboração que ,também elas, me deixaram gratas recordações pelos excelente momentos vividos e pelas pessoas com quem partilhei antena ao longo de muito tempo
Mas tudo isso é passado.
Passado do qual guardo gratas memórias, passado no qual as rádios locais eram verdadeiras “pontas de lança” da informação, da investigação, do comentário critico aos poderes e do livre debate de ideias.
A par de excelentes programas desportivos, musicais, de entretenimento.
Saudades de um passado que não volta!

2 comentários:

il disse...

Caro Cirilo:
Também gostei muito das rádios locais. Á noite ligava-se o radio e todos os dias se ouvia uma nova. Onde vivo não apanhava as rádios do norte de Lisboa, mas apanhava as da "Outra Banda". A maior parte desapareceu e, se existe, foi comprada por um qualquer grupo e faz parte de um cartel ideológico/político.

Ainda ouço uma rádio dessa típicas: está on line e posso ouvi-la fora da zona de emissão -Coimbra. Ainda mantém muito do casticismo com músicas de feira e de comentários bacocos tipo café. Como muitos velhotes ainda têm telefones fixos, telefonam para uma aldeia qualquer, para uma pessoa qualquer e começam a perguntar o que é o almoço, se está tanto calor como na vila. Durante 3 dias na aldeia há motivo de conversa

Dá para rir e entretém

luis cirilo disse...

Cara il:
E uma das principais razões do aparecimento das rádios locais foi mesmo essa: Entreter e dar voz a quem nunca a tinha nas rádios nacionais. Tenho uma saudade sem remédio desses tempos gloriosos em que sem meios, sem estatuto legal, sem instalações condignas se faziam programas, reportagens, entrevistas fantásticas. E relatos de futebol! Fiz muitos, de jogos do Vitória é claro, que hoje até me dão vontade de rir comparando as condições desse tempo com as de agora. Mas faziam-se.