terça-feira, dezembro 13, 2016

Ética


O meu artigo de hoje no Duas Caras.

Com o à vontade permitido por já não estar na política a tempo inteiro desde 2011 posso afirmar duas coisas que resultam de uma experiência de quarenta e um anos como militante de um partido e da passagem por vários lugares no tempo em que fiz da política a minha actividade profissional.
Uma é mais ou menos consensual enquanto a outra reconheço ser polémica.
Mas polémicas é algo de que nunca fugi.
A consensual tem a ver com o facto de política ter hoje mau nome e má fama.
Por várias razões:
Umas prendem-se com a inveja pelos cargos e desconfiança pelo seu exercício que as pessoas alimentam em relação a quem tem poder, se envolve na gestão da “res” pública, faz negócios e adjudica obras, movimenta dinheiro e portanto, para alguns (infelizmente bastantes) torna-se de imediato suspeito de cometer ilícitos sejam eles quais forem.
Outra tem a ver com o facto de alguns, poucos mas levam todos por tabela, exercerem os seus cargos de forma displicente, pouco empenhada, com falta de competência e sem qualquer noção de serviço público.
Finalmente há os que no exercício dos seus cargos cometem ilegalidade e crimes, enriquecem de forma ilícita, ostentam sinais exteriores de riqueza incompatíveis com os seus salários, beneficiam ostensivamente amigos e familiares, tem ligações eticamente insustentáveis com empresas relacionadas com os cargos que desempenham e esses, uma absoluta minoria, são os que mais dano causam à imagem da política e da generalidade dos políticos.
As coisas são o que são!
A outra afirmação que faço, e esta é a tal polémica, prende-se com o considerar que os titulares de cargos políticos são genericamente mal pagos.
Do presidente da República ao presidente da mais pequena junta de freguesia!
Mal pagos para a responsabilidade que tem, mal pagos para o volume de trabalho e de preocupações que o exercício dos cargos exige, mal pagos face à importância das decisões que tem de tomar.
E isso aplica-se especialmente ao primeiro-ministro, aos membros do governo, aos presidentes de câmara e aos vereadores.
E se isso não justifica de forma alguma que procurem “complementos de vencimento” recorrendo a expedientes e actos ilícitos, até porque só vai para a política quem quer e quando se vai conhecem-se as regras do jogo, devia contribuir para que os cidadãos olhassem para o exercício desses cargos com mais respeito e maior consideração.
E não é por haver más excepções, e nada representativas do todo, que a generalidade dos políticos e detentores de cargos públicos merece ser metida num “saco” de suspeição onde para alguns parecem caber todos.
Em suma considero que se para a questão da remuneração dos políticos não existe outra solução que não seja o Parlamento ganhar a coragem que nunca teve (claro que não é um tema popular…) e olhar para o assunto com sensatez e noção das realidades já para o mau nome da política existirão solução mais fáceis de tomar e que gerarão certamente muito menor impopularidade.
E está na ética uma dessas soluções.
Exercer os cargos com ética, com transparência, sem dar azo a ambiguidades ou duvidas quanto à interpretação das leis, fugir de situações nebulosas, não misturar o que não é misturável ainda que no limite a lei o permita mas a ética o desaconselhe, é uma das formas que cada politico tem para melhorar a imagem da sua actividade.
Só está na política quem quer.
E por isso, mesmo que às vezes com nuances pessoais desagradáveis e até injustas, nada como exercer os cargos dentro do velho e sábio princípio de que “á mulher de César não basta ser séria também tem de o parecer”.
É o melhor para todos.
E não conheço ninguém que se tenha arrependido de gerir a “res” pública com esse princípio eticamente irrepreensível!

5 comentários:

il disse...

Caro Cirilo:
Posso assinar?

A verdade é que se aumentassem as remunerações, com base no pressuposto que não haveria lugar a 'ilícitos', teríamos de ter um ministério publico functional.

Não como um caso conhecido, que face á queixa formal de corrupção e bandalheira total numa autarquia -com provas!-; o acusador público avisou a dita; deu-lhe cópia da queixa para que houvesse uma contra-queixa e as tradicionais ameaças de morte.
O caso da contra queixa chegou a tribunal e só não foi julgado porque houve nela um crime (mais um) do presidente da coisa, que o tal de ministério publico "não viu",. A queixa de corrupção e bandalheira geral foi... "desaparecida".

Por isso é que o povo está tão desconfiado dos poderes -não só dos políticos! É de todos, há uma revolta, a nível internacional, contra certos bandalhos -alguns organizados- que apropriando-se dos poderes, trata displicentemente os cidadãos.

Hoje o seu blog já tem 2 polémicas -ui ainda aparece por aqui o SIS, a Judite e...outros(?)


luis cirilo disse...

Cara il:
Limitei-me a enunciar alguns princípios sobre o que acho dever ser o comportamento dos políticos na gestão da coisa pública.
Claro que alguns não seguem essas regras como esse casos que referiu e que é apenas um de muitos que certamente conhece aí pelo distrito "mouro".
Agora uma coisa é certa: Tem de ser os políticos a reabilitarem a política.
Porque o povo, como diz e bem, desconfia dos poderes, dos políticos e de tudo o resto que envolva a política.
Quanto às polémicas no meu blogue a minha amiga já sabe que é matéria que em nada me incomoda.

Joaquim de Freitas disse...

A democracia porta nela os pontos fracos nos quais uma grande maioria de homens políticos se introduz para fazer os “seus” negócios. Estamos longe da severidade da democracia de Atenas.

Imagine, Caro Amigo, que se vivêssemos a democracia do tempo de Clisthène, que reduziu através das suas reformas a influência da classe aristocrática, vemos bem que as diferentes classes sociais estão injustamente representadas. A falta de ética vem da falta de representatividade da Nação, e da falta de ética de muitos deputados e não das remunerações eventualmente baixas.

As regras introduzidas mais tarde por Péricles deviam ser aplicadas hoje. Por exemplo, que os dirigentes do Estado, deputados, ministros, etc., sejam obrigados a prestar contas no fim dos seus mandatos.
E que quando não os exerceram satisfatoriamente a não reeleição, só, não seja considerada suficiente para ser exonerado da justiça, que nesse tempo era o “ostracismo”, isto é o exílio por 10 anos …

Mais ainda, todo cidadão ou deputado que propunha uma lei ficava responsável dessa lei durante um ano, o que quer dizer que podia ser trazido para tribunal pelas pessoas que se estimavam vitimas dessa lei.

Quando o presidente Giscard d’Estaing , então ministro das finanças lançou o famoso empréstimo de Estado 1973– 7%- que fez a fortuna dos investidores,(também aproveitei, mas não fiz fortuna porque a base de lançamento era exígua !!!) foi uma catástrofe para o Estado, porque o nominal e os coupons foram indexados sobre o ouro. Em 1976, a desmonetização do ouro (acordos da Jamaica) criou o rombo nas finanças do Estado…Se vivêssemos sob as regras da democracia de Atenas, Giscard nunca teria sido presidente…

Quantas leis deste género não mereceriam a pena de “ostracismo” para os seus autores em Portugal, nestes últimos tempos?

Em Atenas as mulheres, as crianças, os estrangeiros e os escravos, isto é 90% do povo, não sendo considerados cidadãos, não podiam participar na vida pública. E só os que residiam em Atenas mesmo, podiam participar activamente.

Mas hoje, nos parlamentos, quantos interesses estrangeiros são defendidos por deputados nacionais, no seio dos famosos “lobbies”?

Os “lobbies’ já existiam também em Atenas, onde um deputado rico podia pagar um complemento ao famoso “misthos », a indemnização de presença aos seus partidários, afim de influenciar as discussões e os votos na Assembleia.

Enfim, hoje, mesmo se a remuneração dos deputados for ajustada, a soberania nacional tendo mudado de mão, (as leis estão sob controlo do estrangeiro, isto é da EU) os deputados, bem pagos ou não, não têm realmente o poder como os deputados de Atenas.

Cada vez que passava em Atenas, se tinha tempo, subia lá acima, à Acrópole, e sentava-me na colina do Pnyx, onde os representantes se reuniam, ao ar livre, num recinto murado, e imaginava os oradores, de pé, (não havia cadeiras) ao lado dum altar dos sacrifícios dedicado a Zeus.

O orador era sagrado, punham-lhe uma coroa na cabeça, e lá fazia o seu discurso, o tempo sendo controlado pelo clepsydre), o famoso relógio a água.

Após a discussão, o voto era à mão levantada.
E pois que falamos de justiça, imagine que Christine Lagarde é julgada actualmente em Paris, pela sua decisão no caso de burla do Estado, no negócio Tapie. A pena do ostracismo não seria suficiente. Mas como tem o posto no FMI, esta pena não a afectaria muito.
O problema é que, no Tribunal da Republica Francesa, os magistrados não são tirados numa lotaria como em Atenas (e só ficavam no posto um ano), e entre eles há vários incompetentes…e interessados no negócio.
Em conclusão, a Democracia precisa de reparações urgentes. E se os representantes do povo, apresentam por vezes muitas lacunas de toda a ordem, os cidadãos, pela sua falta de educação politica, também não merecem outra coisa. Têm os representantes e os governos que merecem.

il disse...

Caro Joaquim:
A democracia em Atenas durou pouco afundada na venalidade, na demagogia, nos tumultos na Eclésia e no saque do tesouro da Liga de Delos. Não espanta que os cidadãos de Atenas tenham aberto a porta aos espartanos, cansados da tirania (conceito actual) do sistema.

luis cirilo disse...

Caro Joaquim de Freitas:
Apenas posso agradecer a excelência do seu magnifico comentário.
Estou inteiramente de acordo consigo.
Mas permito-me realçar a sua conclusão que é de uma sabedoria a toda a prova quando aponta a necessidade de a Democracia sofrer reparações urgentes.
Também penso isso.
Com alguma angústia ao constatar que o tempo para isso ser possível "sem dor" se está a esgotar muito rapidamente e sem possibilidade de retorno.
Precisamente pela falta de educação e cultura política dos povos, como refere, e que levando-os a ter os representantes e governos que merecem (incontestável Verdade) os levarão também a soluções radicais cujos efeitos não serão seguramente nada bons se nada for feito para o impedir.
Sinceramente não olho o futuro com optimismo.