O passado tendo um lugar importante na nossa memória deve ser contextualizado como algo que teve o seu tempo, não volta, e por isso não vale a pena ficarmos agarrados a ele como se contivesse alguma solução para o futuro.
O futebol, modalidade mais que centenária e com expressão mundial
inigualável, tem naturalmente o seu passado, as suas lendas, as suas memórias
dos grandes jogos,dos grande jogadores e treinadores, das grandes competições.
Mas não pode viver disso.
Porque caso contrário os recintos ainda seriam pelados, não haveria
substituições, as botas dos jogadores continuariam a ter travessas, não haveria
transmissões televisivas e por aí fora naquilo que podia ser um estendal de
diferenças em relação ao presente.
Vivemos outros tempos.
E por isso na actualidade o dinheiro tem um papel absolutamente
decisivo no futebol relegando para as memórias longínquas conceitos tão
engraçados como o “amorà camisola” ou o “amadorismo” dos praticantes.
Hoje tudo se faz e gira em volta do dinheiro.
DO dinheiro das televisões, essencialmente, do dinheiro dos
patrocínios, do dinheiro do merchandising, do dinheiro da publicidade.
E quem tem dinheiro tem ambições porque quem não tem está cada vez
mais relegado a um papel secundário,de figurante, perante aqueles que dispõe de
meios superiores que lhes permitem fazer a diferença na qualidade futebolística
das suas equipas.
Dir-me-ão que sempre assim foi e que já no tempo das “balizas às
costas” havia os mais ricos e os pobres em função do número de adeptos e
consequentes receitas de bilheteira e cotizações que era o que nesse tempo fazia
a diferença.
É verdade.
Mas as diferenças nesses tempos eram menores em relação aos tempos
actuais em que se vai verificando que em quase todo o lado (a Inglaterra será a
saudável excepção) os ricos estão cada vez mais ricos e os outros cada vez mais
remediados.
Uma das grandes responsáveis disso foi e é a UEFA.
Que mais do que defender o futebol e a sua competitividade, que está na
génese da paixão mundial por esse desporto, se preocupa cada vez mais é em
defender o negócios e os interesses das gigantescas multinacionais que nele
investem em troco de lucros chorudos.
A Liga dos Campeões foi o primeiro passo na subversão do futebol.
Porque criou uma falsa élite (quantos clubes jogam na Liga dos
Campeões que nunca foram ou não são há muito tempo campeões de coisa nenhuma ?)
a quem vai enchendo de dinheiro com isso cavando fossos internos nos
respectivos campeonatos que são cada vez mais intransponíveis e minam a
competitividade e interesse dos mesmos.
Olhemos alguns países a titulo de exemplo.
Em Portugal,Porto e Benfica.
Em Espanha, Barcelona, Real Madrid e Atlético de Madrid.
Em França, PSG, Marselha e
O.Lyon.
Na Alemanha, Bayern e Borússia Dortmund.
Em Itália, Juventus, Nápoles, Inter e Roma.
Na Rússia, Zénit e CSKA de Moscovo.
Na Holanda, Ajax e PSV
NA Suiça, o Basileia.
Na Bélgica, Anderlecht e Brugges.
Na Ucrânia, Dinamo de Kiev e Shaktar Donetsk.
Nestes dez campeonatos, dos mais competitivos da Europa, os clubes que
referi são aqueles que estão sempre na Liga dos Campeões (pode um ou outro
falhar uma ou outra vez mas é a excepção que confirma a regra)e que por isso
cada vez recebem mais dinheiro quer pela presença, quer pelos pontos
conquistados,quer pelas diversas etapas que vão ultrapassando e por isso estão
cada vez mais senhores de um poder financeiro que os seus concorrentes internos
não tem.
Na muito mais democrática Inglaterra, onde se valoriza o negócio mas ama o futebol, embora haja “clientes”
habituais da Liga dos Campeões (os dois de Manchester, Liverpool, Arsenal, Chelsea)
o acesso à mesma está mais aberto e permite que outros clubes como o Tottenham,
e o Leicester (como campeão convém recordar) também lá possam chegar como
representantes de um país que já conheceu vinte e quatro campeões nacionais de
futebol!
É evidente que o segredo disso está na paixão pelo futebol e na
negociação centralizada dos direitos televisivos mas não é disso que quero hoje
falar especificamente.
O que está em causa, verdadeiramente, é o ser a própria UEFA que com
esta política financeira da Liga dos Campeões está a cavar fossos imensos nas competições
nacionais entre os que tem o dinheiro europeu e os que tem de se contentar com
receitas nacionais.
Objectivo?
Muito simples.
Tornar as competições nacionais tão monótonas e desinteressantes que
torne obrigatória a criação da tão desejada (pela UEFA e pelos patrocinadores)
super liga europeia com os fabulosos proveitos financeiros que se adivinham
para quem nela investir e para os clubes que nela participem.
Os outros,bem, os outros ficarão remetidos para as competições
nacionais que serão uma versão profissional dos “solteiros contra casados” a
jogar quando as competições europeias lhes derem tempo e espaço.
Pessimismo?
Apenas realismo facilmente confirmável por quem andar atento a estas
coisas dos campeões e dos milhões.
2 comentários:
É bem verdade o que diz neste texto. O que nós dá mais gosto no futebol é ver a equipa improvável conseguir ganhar uma grande competição. E querem acabar com isso para serem sempre os mesmos a ganhar. Qual será o interesse da competição? Estar em Portugal e ver mais adeptos do Real ou da Juventus que adeptos das equipas portuguesas? Se a Europa, representada no futebol pela UEFA, é isto que quer então defendo já um brexit desportivo!
Querem acabar com a igualdade de direitos e oportunidades também no futebol?
Miguel Leite
Caro Miguel Leite:
É esse o caminho que está a ser seguido.
Sem que ninguém a nível de Federações se preocupe com isso tanto quanto se sabe.
E vai ver que o processo vai acelerar nos próximos dois ou três anos porque os investidores querem receitas o mais depressa posssível
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