Quem tem a paciência de me ler para concordar ou discordar, e não apenas para um “bota abaixo” que apenas o “conforto” do anonimato estimula, já de há muito terá percebido que não gosto de muitos dos rumos que o futebol actual tem seguido e que do meu ponto de vista o levarão, mais dia menos dia, a uma crise de consequências imprevisíveis mas certamente muito nefastas.
Na semana passada tive a oportunidade de me referir às loucuras que alguns clubes, apoiados no dinheiro estranho que invadiu o futebol actual , fazem em termos de contratações de jogadores por valores absolutamente absurdos.
E que nos próximos dias, a confirmar-se a ida de Neymar para o PSG, atingirão um novo máximo.
Noutra crónica anterior referi-me ao perigo das apostas que invadiram o futebol de forma abissal e se tornaram porventura no perigo maior para a verdade desportiva das competições e para a manutenção do futebol como um desporto credível sem que até agora quer as entidades que superintendem à modalidade quer os próprios Estados tenham encontrado a resposta adequada.
Existe hoje, é inegável, uma tendência que nada tem a ver com o futebol como modalidade para o transformar num negócio em que giram milhões de um lado para o outro e em que aquilo que é a sua essência, a paixão dos adeptos e a identidade dos clubes, está reduzido a um papel cada vez mais secundário por força do dinheiro em circulação.
E por isso, aqui e ali, se vão vendo tentativas cada vez mais insistentes de adaptarem o futebol aos interesses económicos, especialmente televisivos, tentando introduzir-se nas suas regras e regulamentos novas disposições que facilitem o negócio das televisões.
Como por exemplo dois intervalos em vez de um e descontos de tempo (como no andebol ou basquetebol) que permitiram às televisões inserirem mais espaços publicitários e por consequência facturarem mais dinheiro aos seus anunciantes.
Entre outras menos evidentes.
Vale que o “International Board” é suficientemente conservador para ir travando essas mudanças que tão mal fariam (farão?) à modalidade e lhe retirariam uma das razões do seu sucesso que é em mais de 100 anos as suas principais regras se terem mantido sem alterações de fundo mantendo a simplicidade e a facilidade de serem compreendidas que os seus autores lhes quiseram incutir desde o início.
Mas há outros riscos latentes.
Um deles, que em Portugal fruto dos tolerantes regulamentos que temos é cada vez mais evidente, passa por uma cada vez maior descaracterização dos clubes em termos de uma identidade “local” dos seus planteis face à autêntica invasão de jogadores vindos dos quatro cantos do planeta que chegam todos os dias (passe ao exagero) aos clubes profissionais portugueses.
Ao contrário do que acontece,por exemplo, em Inglaterra em que para se ter uma licença de trabalho é preciso ostentar determinados requisitos profissionais em Portugal qualquer jogador vindo de qualquer lado pode ser imediatamente inscrito e começar a jogar.
E isso leva a que no plantel de clubes da primeira liga, como por exemplo o “meu” Vitória, coexistam um elevado número de atletas de diferentes nacionalidades com todos os problemas de harmonização linguística, cultural, alimentar, “escola” de jogo e por aí fora o que em nada facilita a vida aos treinadores na hora de construirem uma equipa.
Pensou-se, e essa foi uma das razões fundamentais da sua criação, que as equipas B seriam um travão a isso porque constituiriam um espaço de finalização da formação dos jovens jogadores formados nos clubes e o seu primeiro espaço de afirmação em termos de alta competição profissional.
Infelizmente a experiência diz-nos que não tem sido bem assim.
Por um lado porque há ainda um número significativo de clubes das duas ligas profissionais que não tem equipa B e preferem, ao invés de criarem esse espaço essencial aos jovens da respectiva formação, continuar a apostar na importação de jogadores de todo o lado.
Por outro porque nos clubes que tem equipas B a competirem na II Liga (Vitória-Sporting-Benfica-Braga-Porto) depois de uma fase inicial em que de facto essas equipas foram um espaço de afirmação quase exclusivo dos jovens talentos portugueses formados nesses clubes a partir de certa altura tornaram-se espaço privilegiado para a importação de jovens jogadores estrangeiros deixando cada vez menos espaço aos portugueses.
É verdade que isso não impediu que alguns jovens de grande qualidade tenham aparecido (Miguel Silva-Gelson Martins-Renato Sanches-Bruno Xadas-André Silva entre outros)mas a manter-se a actual tendência serão cada vez menos os jovens talentos portugueses que terão oportunidade de se revelarem porque uma vez terminada a formação verão o seu espaço ocupado por esses jovens estrangeiros que,regra geral, em nada lhes são superiores.
É o dinheiro, sempre o dinheiro (e quase sempre apenas a perspectiva dele…) que comandam estas opções dos clubes que “sonham” encontrarem em cada jovem importação uma mina de ouro e correm atrás dessa ilusão ao invés de percorrem o caminho certo que é apostarem naqueles jovens que formaram, que conhecem e que são apostas muito mais seguras embora requeiram mais paciência e mais trabalho.
E se há riscos que os clubes não conseguem combater sozinhos, como o dinheiro estranho que inunda o futebol actual ou as apostas que colocam em sério risco a sua verdade desportiva, há outros que compete apenas e só aos clubes combaterem desde que se convençam dos malefícios do imediatismo e deixem de lado o dinheiro fácil que parece jorrar no actual contexto.
Basta fazerem uma análise correcta do que é a realidade do futebol, terem uma visão estruturada do médio prazo e fazerem as opções estratégicas em função de tudo isso.
Na certeza de que o tempo de tomar decisões certas não espera!
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