Não é segredo para ninguém, antes pelo contrário, que o mundo do futebol faz girar nos dias de hoje verbas gigantescas em torno de jogadores, treinadores, competições, infraestruturas e também nas apostas.
Que são já a área do futebol que entre legalidade e clandestinidade movimenta maiores somas.
E é precisamente nessa dicotomia entre o que é legal e o que é clandestino que se encontra a maior ameaça que o futebol hoje defronta enquanto modalidade desportiva que encanta multidões com base nas suas características das quais a incerteza no resultado é uma das principais.
Porque é perfeitamente legal apostar num resultado, no número de golos, em quantas substituições são feitas, em haver ou não grandes penalidades, no número de pontapés de canto, no resultado ao intervalo, no numero de cartões amarelos ou vermelhos, em que equipa e jogador vai recair o pontapé de saída, em quantas vezes as equipas médicas entram em campo, no resultado ao intervalo e em muito mais variáveis de um jogo de futebol.
Mas já faz parte do reino da clandestinidade ,e aí são a tal grave ameaça ao futebol, existirem organizações criminosas que se dedicam a combinar resultados através do suborno aos mais diversos agentes desportivos.
E essa praga criminosa, espalhada por todo o mundo mas com “sedes”principais a Oriente face ao interesse pelas apostas nessas paragens, é responsável por um cada vez maior número de resultados falsificados e de competições desvirtuadas na sua verdade desportiva.
Ao que se sabe, e passe a publicidade ainda este fim de semana a revista do semanário Expresso publicou uma excelente reportagem sobre o assunto, também em Portugal essas organizações criminosas operam numa escala já muito significativa com viciação de resultados em competições de jovens e de escalões inferiores essencialmente mas também com incursões identificadas na II liga e suspeitas (que neste momento não passam disso) de já terem “operado” também a nível de liga principal.
É um assunto que de à anos a esta parte acompanho com muito interesse, analisando especialmente resultados que fogem ao normal, fruto de uma experiência pessoal que passo a contar.
Em 2012, pouco depois de a lista que integrava ter vencido as eleições para os orgãos sociais do Vitória, fui contactado por uma pessoa de Guimarães que conhecia vagamente como um adepto sempre presente e que me pediu se recebia dois amigos para me falarem de um assunto com muito interesse para o clube em termos financeiros.
Embora na direção a minha responsabilidade fosse como vice presidente para a área desportiva (futebol e modalidades) naqueles tempos de sufoco financeiro herdados do passado todas as ajudas eram bem vindas pelo que não tive qualquer problema em agendar a reunião para dois ou três dias depois (não podia ser antes porque os tais “amigos” vinham do estrangeiro) na expectativa de receber,quem sabe, futuros investidores para a SAD que então ainda estava apenas em projecto.
No dia marcado apareceram-me dois espanhóis na casa dos quarenta e poucos anos, simpáticos e bem falantes como é normal nessa nacionalidade, cuja primeira preocupação ao entrarem no meu gabinete foi o de se certificarem que a porta ficava bem fechada.
Após isso apresentaram-se pelos seus nomes que ainda hoje ,sabendo o que sei, desconfio que eram falsos.
Nem tive tempo de estranhar a preocupação com o fecharem a porta porque ao fim de dois ou três minutos de conversa já tinha percebido que o que os trazia não era nenhuma intenção de ajudarem o Vitória fosse no que fosse mas sim tentarem levar o clube para a órbita desse mundo das apostas viciadas.
Depois de alguns minutos de conversa pseudo justificativa das razões pelas quais o Vitória teria muito a ganhar (!!!) com o aderir aos esquemas que propunham passaram a propostas concretas:
Para inicio de actividade, chamemos-lhe assim, era preciso dar um sinal aos “patrões” (termo deles) do Oriente de que as coisas estavam devidamente tratadas e por isso o Vitória devia agendar para a pré temporada que se avizinhava um jogo de preparação com um clube espanhol de razoável dimensão (não era ,obviamente, Barcelona, Real Madrid, Atlético de Bilbau ou Atlético de Madrid mas era do patamar logo a seguir) cujo resultado devia ser de 4-0 a favor do Vitória!
Perguntei, para perceber melhor como as coisas se desenvolviam embora já razoavelmente enojado com a conversa, como era isso possível ao que me responderam que do lado espanhol o assunto já estava tratado pelo que o “trabalho” do lado português seria meter quatro golos (nem mais nem menos) já que os espanhóis nem à baliza rematariam.
Claro, e aí avançaram na explicitação do esquema, que seria preciso ter o treinador do lado de “cá” ou, se isso fosse de todo impossível, identificar três ou quatro jogadores que se prestassem ao esquema e que no futuro garantissem, sempre que fosse preciso, a “colaboração” necessária à obtenção dos resultados combinados.
Naturalmente que os “patrões” se encarregariam de recompensarem o treinador e / ou os jogadores em função dos serviços prestados.
E mais: se o “acordo” corresse bem podia ser estendido à equipa B e aos juniores escalões onde as coisas eram mais “fáceis” segundo a sua experimentada opinião porque dava menos nas vistas e saía mais barato recompensar os “aderentes”.
Obviamente que a minha colaboração, se tudo corresse como esperado, seria “agradecida” por verbas que anualmente podiam ultrapassar a centena de milhar de euros segundo o que me disseram com um ar de satisfação que não partilhei.
A titulo de “rebuçado” até adiantaram que esse jogo inicial, com os espanhóis, podia valer-me logo uma “lembrança” de dez ou quinze mil euros já não me recordo do valor exacto.
A conversa durou os vinte minutos a que a boa educação obriga.
Após o que os conduzi à porta esclarecendo-os que o Vitória nunca participaria em esquemas desses e que se os voltasse a ver pelas redondezas das instalações do clube o assunto passaria para o domínio da polícia.
Foi a última vez que os vi.
E acredito que talvez tenham ido bater a outras portas uma vez sabedores que dali não levavam nada.
Mas “eles” ,e outros como eles, andam por aí.
A aliciarem, a subornarem, a adulterarem resultados de competições desportivas em prol dos chorudos proventos que essa actividade permite e que tornam o futebol um alvo apetecível dessas organizações criminosas.
E o futebol tem de saber defender-se deles.
Porque é a sua sobrevivência enquanto modalidade desportiva que está em causa.
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