Um dia Béla Guttmann, o velho “feiticeiro” que deixou uma marca (e ao que parece também uma maldição…) imorredoura no futebol português, afirmou que as equipas portuguesas não tinham rabo (o termo, enfim, foi mais vernáculo) para duas competições importantes o que por outras palavras significava que ou lutavam para ganhar o campeonato ou para a ganhar a então denominada taça dos campeões europeus.
Não tenho a certeza mas creio que fez essa afirmação no rescaldo de um
campeonato perdido para o Sporting em 1961-1962 por um Benfica acabado de
ganhar a taça dos campeões.
Queria com isso dizer que as equipas portuguesas não tinham recursos
humanos (ao tempo era apenas disso que se tratava) que lhe permitissem ser
altamente competitivas durante toda uma época nas duas mais importantes
competições que disputavam.
Hoje o panorama é radicalmente diferente para pior.
Porque as equipas portuguesas que tem acesso à Liga dos Campeões nem
tem equipa, nem plantel, nem recursos financeiros que lhe permitam sonhar com
mais do que a passagem da fase de grupos e a chegada aos quartos-de-final
porque a partir daí a “música” é outra e é impensável nos próximos anos ver uma
equipa nacional conseguir chegar a uma final (ou até meias finais) dessa
competição.
Quando muito podem aspirar a vencer a Liga Europa e mesmo aí será cada
vez mais difícil.
Recordei-me muito dessa frase de Béla Guttmann quando na passada
quarta-feira estive, a convite de um amigo, no estádio da Luz a assistir ao
Benfica-Ajax a contar para a quarta jornada da Liga dos Campeões num jogo que
pôs frente a frente dois clubes que já deram cartas na Europa mas hoje estão
nessa circunstância de apenas poderem aspirar a passar a fase de grupos e pouco
mais.
E estão nessa circunstância pela simples razão de não terem dinheiro
que lhes possibilite contratarem os jogadores em quantidade e qualidade
necessárias a poderem ter outro tipo de ambições e disputarem com os mais ricos
da Europa de igual para igual ou pelo menos com uma diferença não tão abissal.
É certo que ambos os clubes, e muito em especial o Ajax que tem
décadas de bom proveito nessa política, tem formado muitos e bons jogadores
que, contudo, se vêem obrigados a vender a emblemas com outros argumentos
financeiros o que os impede de estruturarem equipas durante alguns anos com o
consequente reforço de competitividade.
Bastará pensar no caso dos encarnados que jogadores como Bernardo
Silva, Renato Sanches, Nélson Semedo, André Gomes, Gonçalo Guedes e Victor
Lindelof não só seriam titulares de caras na actual equipa como lhe dariam um
enorme acréscimo de qualidade e natural reforço das suas ambições nas diversas
provas em que se encontra envolvida.
A verdade é que já não moram na Luz e isso é visível a olho nu!
O que leva a uma segunda reflexão, ainda à boleia de Guttmann, e que
tem a ver com a exigência dos adeptos face à realidade do plantel benfiquista e
a crescente insatisfação com o trabalho de Rui Vitória.
Vi os lenços brancos no fim do jogo, ouço e leio comentários diversos
nas redes sociais e na imprensa, constato que o treinador do Benfica se
encontra numa situação frágil e completamente dependente da firmeza de Luís
Filipe Vieira para poder continuar em funções.
Mas interrogo-me se os adeptos estão a ver bem as coisas e se os seus
naturais sonhos de grandeza para o seu clube (decalcados de um passado que não
volta é oportuno dizê-lo) tem correspondência na valia da equipa e nas
possibilidades reais de disputar competições.
Rui Vitória treina o Benfica há três anos.
Ganhou dois campeonatos e no último ficou em segundo lugar, o que
globalmente tem de se considerar como excelente face à realidade do nosso
futebol, para além de uma taça de Portugal, uma taça da liga e uma supertaça.
“Fez” e lançou alguns dos jogadores atrás referidos (à excepção de
Bernardo Silva), para além de Ederson e outros que não vieram do Seixal mas foi
ele que teve a coragem de apostar neles, e deles se viu privado mal deram nas
vistas e foram transferidos para outros clubes com a natural perda de qualidade
para a equipa mas sólidos proveitos para os cofres do clube.
E tudo isso resultou no actual Benfica que tem claramente o pior
plantel em quantidade e qualidade dos últimos dez anos.
Volto a Guttmann.
Hoje a questão nem é saber se o clube tem rabo para duas cadeiras,
porque é evidente que pelo menos para uma não tem nem nada que se pareça, mas
se o rabo que tem chega ao menos para a cadeira do campeonato.
Duvido mas o futuro o dirá.
E uma nota final:
Quando assistia ao jogo com o Ajax não pude deixar de ouvir a conversa
(um deles em bom rigor apenas dizia que sim) de dois adeptos do Benfica,
sentados no camarote na fila atrás daquela em que eu estava, em que as criticas
a Rui Vitória, à equipa e às exibições eram constantes.
E a certa altura o mais indignado manifestou a sua revolta por o
Benfica estar classificado atrás do Porto quando na sua opinião tinha muito
melhor equipa que os “dragões” !!!
Sorri, não comentei porque a conversa não era comigo, mas não deixei
de pensar que na minha modesta opinião nenhum jogador do actual Benfica seria
titular do actual Porto enquanto no banco do Porto há jogadores que seriam
titulares do Benfica.
Mas é apenas a minha opinião.
Dias depois contei esta conversa a um amigo meu, benfiquista dos
quatro costados, pessoa que vê futebol com conhecimentos e lucidez embora com
alguns tiques de fanatismo para o seu clube na expectativa de o ouvir
manifestar uma opinião minimamente discordante com semelhante exagero.
Qual quê.
Reiterou tudo que o tal vizinho de camarote tinha afirmado e ainda
afirmou convictamente que nenhum jogador do Porto seria titular do actual
Benfica!!!
Percebo bem a dificuldade de Rui Vitória, ou de qualquer outro
treinador que venha a seguir, lidar com tão brutal desfasamento entre ambições
dos adeptos e realidade do clube que leva os primeiros a serem megalómanos face
às possibilidades reais do segundo.
E termino com Guttmann.
Que um dia lançou uma “maldição” que ainda hoje vigora e provavelmente
nunca terminará por mais optimistas que sejam as declarações pré eleitorais de
Luís Filipe Vieira acerca de se manter no cargo até o Benfica ganhar uma prova
que só muito dificilmente voltará a vencer nos próximos largos anos.
Mas o clube corre seriamente a realidade de este desfasamento entre
ambição e realidade se tornar numa segunda maldição, desta vez de âmbito
nacional, e da responsabilidade dos seus próprios adeptos.
A ver vamos.
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