quarta-feira, agosto 13, 2008

Arroz de Favas


Foto: http://outrascomidas.blogspot.com (Arroz de favas á moda de Tormes)

Tenho uma relação invulgar com o arroz de favas.
Quanto mais como...mais gosto.
O que não deixa de ser curioso porque grande parte das pessoas minhas amigas ou não gosta ou come por comer.
Eu não.
Gosto mesmo.
E sendo bem feitinho então é mesmo um dos meus pratos favoritos.
Talvez essa devoção pelas favas venho do encanto com que li e reli Eça de Queiroz ao longo dos anos.
Por obrigação escolar no inicio e depois pelo prazer da leitura de um dos maiores escritores portugueses de sempre.
Para mim "Os Maias" é a sua obra maior mas entre muitos outros tenho também especial admiração por "A Cidade e as Serras".
Ora vejam este trecho:

“Deste enlevo nos arrancou o Melchior com o doce aviso do “jantarinho de suas incelências”. Era noutra sala, mais nua, mais abandonada: - e aí logo à porta o meu supercivilizado Príncipe estacou, estarrecido pelo desconforto, e escassez e rudeza das coisas. (...)Jacinto ocupou a sede ancestral – e durante momentos (de esgazeada ansiedade para o caseiro excelente) esfregou energicamente, com a ponta da toalha, o garfo negro, a fosca colher de estanho. Depois, desconfiado, provou o caldo, que era de galinha e rescendia. Provou – e levantou para mim, seu camarada de misérias, uns olhos que brilharam, surpreendidos. Tornou a sorver uma colherada mais cheia, mais considerada. E sorriu, com espanto: - “Está bom!”Estava precioso: tinha fígado e tinha moela; o seu perfume enternecia; três vezes, fervorosamente, ataquei aquele caldo.-Também lá volto! – exclamava Jacinto com uma convicção imensa. – É que estou com uma fome... Santo Deus! Há anos que não sinto esta fome.Foi ele que rapou avaramente a sopeira. E já espreitava a porta, esperando a portadora dos pitéus, a rija moça de peitos trementes, que enfim surgiu, mais esbraseada, abalando o sobrado – e pousou sobre a mesa uma travessa a transbordar de arroz com favas. Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominava favas!... Tentou todavia uma garfada tímida – e de novo aqueles seus olhos, que o pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus. Outra larga garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado:-Óptimo!... Ah, destas favas, sim! Ó que fava! Que delícia! (...)- Pois é cá a comidinha dos moços da Quinta! E cada pratada, que até suas Incelências se riam... Mas agora, aqui, o Sr. D. Jacinto, também vai engordar e enrijar!”

Pois é.
O arroz de favas !
Se calhar também daí o meu gosto pelo dito cujo.
Gosto,aliás,em franco reforço.
Depois Falamos

5 comentários:

rei dolce disse...

Caro Dr.Cirilo,
para quem não conhece recomendo que prove uma refeição tão simples, tão boa e tão nossa... e se possivel em tormes.
Já lá fui, gostei.
E claro que leiam muito Eça, cada vez mais actual.

Dri disse...

Aconselho-o tambem a comer o petisco em Tormes. Nao partilho o seu gosto pelo arroz de favas mas partilho o agrado ao ler Eça de Queiros. Muitas das personagens dos seus livros encaixam perfeitamente na sociedade de hoje. No entanto sei que tem outros gostos gastronomicos como o bacalhau e desse ja partilho com maior fervor.

JAIME ALVES disse...

Ora viva!

Já fui algumas vezes à Fundação Eça de Queirós, em Tormes, concelho de Baião. Uma das vezes com a companhia de digníssimos amigos, um dos quais o Dr. Leão (Rei Dolce). «A Cidade e as Serras» é um dos meus romances de eleição, gostei mesmo de o ler e agora que me avivou a memória até o vou reler nas férias que início amanhã.

A herança queirosiana na região é enorme. Na margem sul do douro, do outro lado do rio, em Resende, na Freguesia de S. Cipriano, existe uma casa de aspecto velho, deteriorada, identificada como «A Ilustre Casa de Ramires». Pena é que a Autarquia em questão não dê maior visibilidade a tal riqueza… paciência… vistas curtas…

Falando na actualidade literária queirosiana, que não pode ser evocada só por ser, recordo que «Jacinto» era profundamente infeliz e depressivo em Paris – quase na preparação para a morte – «curou» os seus males na escassez e rudeza das coisas, em comparação com a vida luxuosa, excessiva e ostentadora que vivia na capital Francesa. Esse contorno é o que de mais importante retirei da leitura. As vivências lusas são um mundo à parte!

Quanto às favas, que também abominava quando criança, hoje, adoro-as! São um belo petisco! Com arroz, mas com muitas outras coisas! Acompanhadas com uns belos enchidos da serra de Montemuro ou das Meadas são um deleite!

Como é próprio dum Beirão que se preze, digo-lhe: BEM HAJA pelo belo texto que escreveu!

Com toda a estima e consideração, desejo-lhe boas férias (se for caso disso)!

Um abraço de amizade do Jaime Alves.

SicGloriaTransitMundi disse...

Bom mesmo é um prato de favas com chouriço e um ovo escalfado pelo meio!!!

Graças a Deus (e aos meus Pais) que adoro favas!
Pelos vistos, lá em casa, eles e eu, somos os únicos!!! E ainda bem! Mais fica!!!

Abraço

PS-"A Cidade e as Serras" é uma boa sugestão de leitura! Mas de Eça há mais, muito mais!

Anónimo disse...

Vê-se logo que este é um blog das bases: o povo gosta de favas...
Nunca veriam a tia Manecas e o bruxo da Marmeleira atacando uma bacia de favas. Aliás a 'tia' nunca confessará que sabe o que é uma bacia. Pois, na casa dos meus antepassados havia e na dos dela tb!
Quanto às favas prefiro estufadas com carne, mas se tiver arroz tb marcha.

nb - Bacia na Beira é uma travessa redonda com alguma profundidade.