Sou do tempo, ainda miúdo, em que no futebol valia a pena criar afectos com aqueles que representavam com brio, brilho, pundonor e garra as nossas cores.
Jogavam muitos anos nos nossos clubes, sabiamos onde moravam, o café que frequentavam, os restaurantes onde iam, as raparigas com que namoravam, casavam e depois conhecíamos os filhos de quem gostávamos de ser amigos porque entre outras razões era uma forma de estarmos mais próximos dos nossos ídolos.
Não os conhecíamos pessoalmente mas se eles passassem por nós e nos dissessem "olá", se nos cumprimentassem quando iamos acompanhados de pessoas que os conheciam, se para nós olhassem era uma emoção que nos tirava o sono.
Tinhamos orgulho neles, quase os considerávamos de família, eram os exemplos que queríamos seguir nas futeboladas entre amigos no intervalo das aulas ou aos fins de semana.
E então se fossem como nós, da terra, o orgulho ainda era maior porque eram a prova próxima de que podíamos ser como eles. E o que queríamos era que tivessem sucesso porque o sucesso deles era também um bocadinho nosso.
Eram dos jogadores do nosso clube os cromos mais desejados nas colecções , era uma festa quando os víamos retratados e entrevistados nos jornais e um deleite quando algum deles (coisa muito rara) era chamado á selecção nacional.
Lembro-me da "festa" que foi em Guimarães quando Mendes se tornou o primeiro internacional vitoriano, do alvoroço com que vimos Manuel Pinto e Joaquim Jorge formarem a dupla de centrais da selecção e do orgulho que sentíamos quando Abreu e Romeu começaram a ser chamados aos trabalhos da selecção e depois se tornaram internacionais. Dois "produtos" da formação e Abreu, ainda por cima, vimaranense de gema.
Recordo sempre que um dia, tinha eu uns seis ou sete anos, e antes de um jogo do Vitória o meu pai e um grande amigo dele que ao tempo era director do futebol do clube me levaram ao balneário antes de um jogo e ao entrar vi aqueles que eram os meus ídolos; O "capitão" António Peres, Mendes "o pé de canhão", Manuel Pinto, Daniel Barreto, etc. Foi um deslumbramento. E quando Mendes, nunca mais esqueci, me passou uma bola para eu lhe devolver creio que me vi repentinamente nas nuvens.
Depois fui crescendo, racionalizando os afectos, percebendo que o rendimento dos jogadores tinha tudo a ver com as permanências mais ou menos longas mas mesmo assim na minha juventude habituei-me a ver jogadores fazerem percursos longos no Vitória e serem grandes referências do clube.
Abreu, Rodrigues, Tito, Osvaldinho, Romeu e tantos outros com a curiosidade de alguns deles virem das camadas jovens e serem portanto "velhos" conhecidos das manhãs de domingo na "universidade" da Amorosa.
Mas foi também o tempo em que me fui habituando aos afectos rápidos, a jogadores que vinham, triunfavam e partiam de imediato ao sabor de uma crescente vertente comercial do futebol deixando uma saudade em todos quantos queriam mais daquilo que já tinam visto ser bom.
O exemplo mais flagrante disso foi Jeremias.
Que chegou, fez uma época fulgurante e partiu para o Espanhol de Barcelona deixando uma enorme saudade nos adeptos.
Dez anos depois chegou o "trauma" Cascavel!
Duas épocas fabulosas e a imensa incredulidade minha e de muitos como eu ao verem a manchete do "Comércio do Porto" a anunciar a sua transferência para o Sporting.
Vi gente em frente aos quiosques onde o jornal estava exposto com as lágrimas a corrrem pela cara abaixo. E não eram crianças...
Para mim foi a "vacina" para os afectos.
Nessa altura já percebia perfeitamente (também tinha idade mais que suficiente para isso) que mais do que a admiração por um jogador, a vontade de o ver jogar vários anos no clube, o afecto incondicional dos adeptos valia a componente financeira e comercial e que clubes como o Vitória nunca poderiam ser destino último para os melhores mas apenas um ponto de passagem a caminho de outras realidades financeiras e desportivas.
E embora convicto da importância que a estabilidade tem para a construção de planteis competitivos e equipas ganhadoras conscencializei-me que os afectos seriam cada vez mais de curta duração e quanto mais valioso fosse o jogador menos duraria a sua permanência.
Exemplos como Daniel Barreto (18 épocas) Abreu (13 épocas incluindo formação), Rodrigues e Manuel Pinto (12 épocas), N Dinga (10 épocas) ou mesmo Peres (9 épocas) e Tito ( 7 épocas) entre muitos outros seriam doravante impossíveis e mesmo utópicos.
As coisas são o que são.
Ao ponto de hoje estar convicto que por mais que gostemos de um jogador, por mais que gostássemos de o ver vários anos a fio com a nossa camisola, por mais que não entendamos a pressa em o vender temos de saber que não vale a pena projectar afectos a mais de seis meses de distância porque há sempre a possibilidade de se não sair no mercado de Agosto acabar por sair no de Janeiro.
São afectos com o risco de durarem pouco mais do que os chamados namoros de Verão!
E por isso nunca deixando de ter simpatia por este ou aquele jogador, porque é impossível não gostar de quem defende bem a nossa camisola, convenci-me definitivamente que só há um afecto que nunca muda e nunca nos deixa e esse é o afecto pelo clube.
Porque esse fica sempre.
Passam atletas, treinadores, funcionários e adeptos mas o clube fica.
E esse é, realmente, o afecto que vale a pena!
O afecto pelo Vitória.
Depois Falamos.
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