terça-feira, janeiro 04, 2022

Lenda e Narrativa

Agora que o Vitória já entrou no ano em que vai completar cem anos, no dia 22 de setembro, e com o crescendo de notícias e publicações sobre o clube é cada vez mais tempo de todos quanto se interessam pela instituição e pela sua História fazerem um esforço redobrado em prol do rigor e do aprofundamento do que foi e está a ser este século de vida.
O que está aliás bem patente no primeiro livro publicado sob a égide do Centenário ( O Clube do Rei Cem anos cem cartoons) no qual 15 autores diferentes escrevem sobre as dez décadas de existência do clube e nalguns casos com um louvável esforço de investigação histórica atendendo à escassez de fontes sobre as primeiras delas.
E por isso não quis hoje deixar de me pronunciar, embora não sendo historiador de profissão e menos ainda de presunção, sobre um aspecto da vida do clube que é fonte de alguma controvérsia e merece alguns esclarecimentos que não tendo a pretensão de serem definitivos podem, ainda assim, ajudar a que a verdade triunfe sobre as falsidades que de quando em vez por aí aparecem.
Refiro-me ao complexo desportivo pertença do Vitória Sport Clube e denominado António Pimenta Machado desde julho de 1997 quando em AG os sócios lhe atribuíram esse nome.
E em volta do complexo desportivo há uma lenda e uma narrativa sobre as quais a seguir me debruçarei.
A lenda, propagada ao sabor de erradas tradições orais, de insuficientes investigações, de reiterada má fé daqueles que querem retirar mérito a quem o tem ou de pura e simples ignorância refere que os terreno do complexo desportivo foram oferecidos ao Vitória pela, há muito extinta, associação cívica “Unidade Vimaranense” (UV).
Ou, quando muito, vendidos por um preço simbólico naquilo que se denomina como uma doação onerosa.
Não corresponde à verdade.
Porque os terrenos foram comprados pelo Vitória Sport Clube e por valores significativos para a época em que as várias transacções foram feitas.
Dando-se até o caso de o último deles nem ter sido comprado à Unidade Vimaranense, mas sim a outro proprietário.
E a cronologia é simples de fazer.
Em 24 de Fevereiro de 1979 a direcção presidida por Gil Mesquita celebra um contrato promessa para a aquisição dos primeiros terrenos, pelo valor significativo para a época de treze milhões e seiscentos mil escudos, quantia que viria a ser liquidada posteriormente pela também já extinta (depois de relevantes serviços prestados ao clube) “Comissão de Fundos para um Vitória Maior” face à impossibilidade de o clube libertar verbas para esse efeito.
Posteriormente, já numa direcção de António Pimenta Machado, o clube celebra a 24 de abril de 1987 novo contrato promessa com a UV, no valor de dez milhões de escudos, comprometendo-se a pagar de imediato metade da verba e a outra metade até à celebração da escritura assumindo ainda a responsabilidade de pagamento de dívidas da UV bem como de adiantamentos dos seus (da UV) accionistas.
Finalmente, a 15 de fevereiro de 1990, realiza-se a escritura pelo valor de dez milhões novecentos e setenta e cinco mil e quinhentos escudos e trinta centavos, de que a UV dá imediata quitação ao Vitória sendo nela referido que o valor recebido se destinava a liquidar benfeitorias, a reembolsar acções subscritas pelos sócios da UV bem como a devolver valores por estes adiantados à associação.
Sendo certo que na escritura se fala de doação, quando foi aquisição, por razões  fáceis de deduzir para quem quiser esmiuçar minimamente o assunto.
A isso se acrescenta o compromisso do Vitória em pagar multas fiscais, impostos liquidados e a liquidar, nomeadamente referentes a mais valias referentes à transacção, o que viria a acarretar ao clube uma despesa suplementar de cerca de seis milhões de escudos.
Significa isto que na aquisição de terrenos destinados a fins agrícolas e de reduzido valor comercial o Vitória Sport Clube investiu cerca de trinta milhões de escudos, há mais de trinta anos atrás, o que está bem longe de significar que recebeu terrenos oferecidos ou pagos por valor simbólico.
Posteriormente o clube viria ainda a comprar um terreno na chamada “Quinta de Margaride”, onde agora está um dos relvados sintécticos, por cerca de oito milhões de escudos o que eleva o valor total do investimento na aquisição do complexo desportivo para cerca de quarenta milhões de escudos.
E, portanto, esta lenda dos terenos oferecidos ou alvo de doação onerosa por valor simbólico não passa de isso mesmo, de uma lenda sem correspondência com a realidade.
Como tantas outras!
Mas em torno do complexo desportivo António Pimenta Machado para lá desta lenda existe também uma narrativa, muito mais recente, quanto à sua denominação.
Começou por ser conhecido, por razões óbvias, pelos campos da unidade (vimaranense) mas em julho de 1997 já não recordo se por unanimidade se por maioria esmagadora foi-lhe atribuída a denominação de Complexo Desportivo António Pimenta Machado que se mantém até aos dias de hoje.
É esse o seu nome e mais nenhum.
Tal como consta, aliás, da placa descerrada em 1997 aquando da inauguração do complexo pelo então Presidente Jorge Sampaio e que depois de anos em que esteve afixada dentro do edificio sede foi mandada colocar no exterior do mesmo em 2020 para que possa ser vista por todos quantos por lá passem.
E por isso foi com surpresa que anos atrás, sem qualquer deliberação da Assembleia Geral nesse sentido, passaram os responsáveis do clube a chamar-lhe “Academia do Vitória” em todas as oportunidades, documentos e comunicação nas redes sociais do clube, deixando cair o seu verdadeiro nome e colocando até umas letras na fachada com a inscrição “Academia Vitória SC”como se a decisão da AG de 1997 não tivesse existido.
Ao contrário do que fizeram com o pavilhão a que em proposta dirigida à AG, e aprovada pelos sócios, retiraram o nome de “Pavilhão do Vitória” para lhe passarem a chamar “pavilhão da Unidade Vimaranense” decisão de que discordo profundamente mas que respeito dado ter seguido à risca os trâmites estatutários.
Ainda perceberia, embora me custasse muito ver retirar a património do Vitória o nome “Vitória”, se a deliberação fosse no sentido de dar ao pavilhão o nome do presidente Gil Mesquita que foi aquele com quem o complexo começou a ser construído.
Isso até faria sentido.
Agora a uma associação cívica que vendeu os terrenos ao Vitória por valores substanciais para a época e que apenas os vendeu porque o projecto hoteleiro que para lá tinha idealizado não teve pernas para andar pareceu-me francamente mal.
Mas está feito e acho que assim deve continuar porque o clube não pode andar a mudar o nome aos edifícios do seu património em curtos intervalos de tempo.
Como atrás referi não sendo historiador de profissão, e muito menos de presunção, baseei este texto no que se refere à compra dos terrenos na leitura de documentos da época e que do meu ponto de vista explicam cabalmente o que afirmo.
Não faço deles verdade absoluta.
E não procurando polémicas, mas também não fugindo delas quando surgem, acredito que se outras visões houver sobre o assunto, igualmente assentes em documentos, é matéria que pode ser susceptível de debate.
Desde que feito com inteligência nos raciocínios, elegância na apresentação dos argumentos e a boa educação a que está obrigado quem quer debater com seriedade qualquer assunto.
Caso contrário, e porque educar adultos não é o meu trabalho, arriscam-se a ficarem a falar sozinhos!

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