sexta-feira, julho 03, 2020

Afectividade

Já todos sabemos que o futebol é um desporto de emoções.
Gera amor e ódio, paixão e desilusão, entusiasmo e descrença ao sabor dos resultados, das classificações, das conquistas e das perdas que cada clube vai sofrendo ao longo dos anos nas competições que disputa.
São muitos os factores em que assentam as emoções, e a afectividade que liga os adeptos aos seus clubes, e que passam pelos jogadores que se idolatram, pelos treinadores que se admiram e até pelos dirigentes que exercem lideranças motivadoras e exemplares.
Mas para lá da afectividade gerada pelo orgulho de defender o clube da sua terra (em Portugal pouco expressiva infelizmente) é na admiração pelos jogadores que assenta boa parte da explicação para a preferência dos adeptos pelos seus clubes.
Os grande jogadores, os grandes golos, as grandes defesas, as exibições de sonho.
Noutros tempos, que recordo bem, os jogadores de referência de cada clube tornavam-se quase membros da família de cada adepto porque passavam vários anos no clube , vê-los em campo era um hábito criado e isso fortalecia muito a ligação entre o clube e os seus simpatizantes pela via desses jogadores que simbolizavam o clube.
No Vitória, por exemplo, no meu tempo de miúdo havia um naipe de jogadores que estavam no clube há anos e anos e que fortaleceram muito a minnha ligação afectiva porque eram os meus idolos de todos os dias durante vários anos.
O "capitão" António Peres, os centrais Manuel Pinto e Joaquim Jorge, o lateral Daniel Barreto, o guarda redes Rodrigues e o meu primeiro idolo no futebol o goleador António Mendes conhecido pelo "pé de canhão" tal a violência do seu remate com o pé esquerdo.
E mesmo quando os resultados e as classificações não eram bem o que se esperava ali estavam aqueles homens que se sabia serem capazes de darem a volta ao texto como já tinham feito tantas vezes e que eram fieis depositários da confiança dos adeptos.
Já era assim e assim continuou a ser durante mais alguns anos.
Depois o futebol foi mudando.
E ao sabor dessas mudanças, com o fim da famigerada "lei da opção", mais tarde com a "Lei Bosman", o advento das SAD, o negócio gigantesco em que o futebol se tornou transformou os clubes (praticamente sem excepções) em placas giratórias de jogadores e a actividade comercial a suplantar em muitos casos a actividade desportiva que devia ser a sua prioridade primeira.
E isso levou a que os planteis sofram uma alta rotatividade com a consequência de a grande maioria dos jogadores parar relativamente pouco tempo em cada clube porque a sua permanência está sempre sujeita ao negócio que apareça na primeira esquina.
Com natural incidência nos melhores jogadores, normalmente os mais queridos dos adeptos, que são sempre os primeiros a irem embora perante a desilusão dos adeptos que priorizam sempre o resultado desportivo em desfavor do resultado financeiro.
É assim em Portugal, é asim na Europa, é assim no mundo.
E por mais que nos custe, especialmente aqueles que não são adeptos dos grandes clubes europeus (em Portugal não há nenhum) que ainda podem resistir a esses sinais dos tempos, temos de nos habituar a um vaivém contínuo de jogadores nos nossos clubes.
Com o bom senso, contudo, de percebermos que os clubes não vivem só das receitas das transferências mas também da paixão dos adeptos e que essa paixão alimenta-se de resultados mas também de emoções e afectos que tem os jogadores como destinatários preferenciais.
E por isso percebendo-se a necessidade de vender há que ter a precaução de não o fazer sistematicamente privando todos os anos os adeptos dos seus principais idolos e assim enfraquecendo de alguma forma a ligação afectiva aos seus clubes.
Porque se houver resultados o problema ainda pode ser ultrapassado porque a alegria de títulos e troféus pode superar o desgosto de ver sair jogadores que os adeptos se habituaram a admirar reforçando a ligação e orgulho com o clube.
Mas sem resultados, vendo-se privados dos seus ídolos, resta aos adeptos a paixão pelos seus clubes o que sendo muito pode não ser suficiente para esses clubes manterem os níveis competitivos a que estão habituados.
Num tempo de mercantilismo desenfreado é bom que os dirigentes dos clubes não se esqueçam que os afectos não são dispensáveis.
Depois Falamos.

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