segunda-feira, junho 22, 2015

O senhor Abílio

Já aqui e  aqui me tinha referido aos barbeiros de que fui e sou cliente e à relação muito particular que os da minha geração mantinham com as suas barbearias mantendo uma fidelidade como cliente que durava décadas.
Uma vida inteira em muitos casos.
No meu caso particular comecei a ir ao barbeiro por volta de 1964/1965 e naturalmente que fui à barbearia onde já iam o meu pai e o meu avô (chamava-se "Simão Costa" e ficava no inicio da rua de Santo António entre a esquina do Toural e a pastelaria Ribela) e depois foram durante anos os meus filhos.
Era uma barbearia verdadeiramente familiar frequentada ao longos de mais de cinco décadas por quatro gerações da minha família.
Lá conheci os três barbeiros que nela trabalhavam (o senhor José, o senhor Maia e o senhor Abílio)e todos eles me cortaram o cabelo dentro do seu estilo muito próprio e sempre com grandes conversas á mistura como é típico de um barbeiro que se preze.
Um dia a barbearia fechou porque o edifício foi vendido e hoje nele funciona um estabelecimento de pronto a vestir.
E os barbeiros dispersaram-se.
O senhor Maia reformou-se e viria a falecer pouco tempo depois.
O senhor José ainda trabalhou numa ou noutra barbearia mas hoje está também reformado.
E o senhor Abílio foi para uma barbearia junto ao antigo posto de turismo para onde também "migrei" e continuei seu cliente por mais quase vinte anos.
Onde acumulamos muitas dezenas de horas de conversa sobre Guimarães, o Vitória, as famílias de cada um, os amigos comuns, a politica autárquica,os clientes da antiga barbearia (pela qual ele tinha uma enorme nostalgia), alguns negócios cambiais a que ele se dedicava antes do advento do euro e sei lá que mais.
As visitas mensais aos senhor Abílio, especialmente durante os anos em que trabalhei fora de Guimarães, eram sempre uma preciosa actualização relativamente ao que se passava na cidade e nas suas instituições.
Até que em Março de 2013 quando cheguei à barbearia e perguntei pelo senhor Abílio me foi dito que se tinha reformado.
Fiquei de boca aberta porque tinha lá estado um ou dois meses antes e ele nada me tinha dito sobre o assunto nem manifestado qualquer intenção de abandonar as lides de barbeiro em que se encontrava há mais de cinquenta anos.
Na altura tive de pela primeira vez na vida escolher um novo barbeiro e uma nova barbearia.
Dei aqui conta num dos posts acima citados da opção que fiz pela barbearia do Paulo Salgado onde dois anos depois continuo a ser cliente e espero continuar por muitos e bons anos.
Mas na altura fiquei intrigado com a reforma do senhor Abílio por inesperada que foi.
E tendo-o encontrado poucos dias depois, numa pastelaria que ele frequentava em frente ao Museu Alberto Sampaio, questionei-o sobre o assunto ao que ele me respondeu que andava a pensar no assunto há meses mas não comunicou a nenhum dos clientes dado que sendo um homem  que se emocionava com facilidade ter de se despedir dos clientes de uma vida era muito doloroso.
Compreendi perfeitamente.
E nas vezes que o encontrei nessa pastelaria, e foram vários ao longo dos dois últimos anos, sempre trocamos dois dedos de conversa bem humorada como é normal entre duas pessoas que se conheciam à quase cinquenta anos e que tantas vezes tinham conversado.
Numa das ultimas vezes que o encontrei, em finais do ano passado, comentei com ele que era uma pena ter-se reformado porque senão ainda teria oportunidade de cortar o cabelo ao meu neto e ficaria com o quase recorde (muito perto disso acredito) de ter cortado o cabelo a cinco gerações da mesma família!
Penso que depois dessa conversa, em que ele me disse do gosto que teria em ter esse particular recorde, só o voltei a encontrar mais uma vez no inicio do corrente ano e lembro-me que dessa vez praticamente só nos cumprimentamos porque eu ia com pressa e não pude parar para a conversa habitual.
Semanas atrás, quando lá fui cortar o cabelo, soube pelo Paulo Salgado que o senhor Abílio tinha falecido de um cancro que se desenvolvera rapidamente e para o qual não houvera solução.
Foi um choque porque não estava nada à espera.
E com ele, com a sua simpatia, com o seu gosto por Guimarães e pelas suas instituições e pessoas, com o prazer que sempre eram as nossas conversas se foi mais um amigo e mais uma parte das minhas boas memórias do ultimo meio século.
Depois Falamos.

7 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

Interessante tema! Sabe-se que os primeiros habitantes da África tinham métodos para magnificar o cabelo. E hoje, toda a gente ou quase vai ao barbeiro, qualquer que seja a condição social, a idade, o lugar onde se vive...
A questão capilar ocupa a humanidade desde há muitos séculos...

Talvez seja este momento agradável, mensal, do qual tenho mais nostalgia! Porque desses tempos "imemoriais" em que ia ao barbeiro, tudo o vento levou!!!

Enquanto o meu "rochedo" ainda tinha alguma "vegetação", costumava fazer coincidir a data de ir ao barbeiro com uma viagem ao Japão. Ia lá três vezes por ano, e o prazer da "operação" do Fígaro japonês está viva na minha memória! Sonho, por vezes, desse momento esquisito onde, no silêncio, ele operava, depois da tradicional massagem do couro "cabeludo"...

Compreendo que o Emir de Bornéu, imensamente rico, faça vir o seu barbeiro duas vezes por mês em avião para lhe cortar o cabelo!

Ainda vou ao barbeiro uma vez por mês, mas confesso que é mais para a "limpeza" dos cabelos recalcitrantes que de maneira esparsa teimam em procurar a luz do dia! Mas o meu barbeiro, um amigo, faz-me sempre a pergunta ritual: " E hoje, Monsieur de Freitas, como os corto? " Pura maldade!

Como o meu Amigo Cirilo, também discuto com o meu barbeiro. Faz-me muitas perguntas, às quais respondo ou não, porque é uma pessoa que em princípio nunca devia frequentar: Vota Jean Marie Le Pen! Um afronto! Já procurou várias vezes ocupar-se da minha cabeça em todos os sentidos do termo! Mas digo-lhe sempre que se ocupe do exterior, que do interior não é necessário. Um pouco como o sapateiro que Michelangelo consultou para um detalhe dum sapato do papa, num célebre quadro que pintava, que pretendia depois dar a sua opinião sobre outros detalhes do quadro, e ao qual o grande artista respondeu: " (Sutor, ne supra crepidam) " Sapateiro, não vai mais alto que o sapato! "

Não sei se sabe, mas Jean-Paul Sartre levava o filho ao barbeiro desde a idade de 7 anos! Para que não pareça uma menina, dizia ele! Uma acção anódina em aparência, mas que esconde uma força simbólica muito forte.

Como viajei muito à volta do mundo, o mundo dos barbeiros chamou sempre a minha atenção. Porque é uma das mais velhas profissões do mundo. Como a prostituição! A existência de salões de barbearia na antiguidade grega e romana é atestada.

Faz parte de todas as paisagens, rurais ou urbanas, em todos os países do mundo. Em certos países o barbeiro também é o escriba! Na África é um quadro sempre rústico, e os animais, cães, galinhas e mesmo porcos vêm saudar os clientes!

Em França, nestes tempos de desertificação das aldeias, o barbeiro não desapareceu como o talho, o padeiro e outros comércios de proximidade.

E continuam com os seus "habitués", frequentemente idosos, que vêm tanto para cortar alguns cabelos que para discutir com o "seu barbeiro. Aqui é o lugar onde se fala de "coisas e de outras" mas também de si próprio!

Sentado na sua cadeira, passivo, o cliente confia literalmente a sua cabeça àquele que lhe anda à volta de maneira incessante, numa espécie de ballet de gestos misteriosos.

Que saudades eu tenho do meu barbeiro de Guimarães! Que também já foi pentear os anjos!

luis cirilo disse...

Caro Amigo Joaquim de Freitas:
Apenas para agradecer a forma como com o seu comentário enriqueceu extraordinariamente este post.
O que sendo habitual registo sempre com muito prazer.
E pegando até nos seus excelente exemplos deixo aqui mais uma pequena reflexão:
O barbeiro, como o merceeiro, o talhante, o alfaiate, o carteiro,o padeiro, o leiteiro e outros eram referências comunitárias que estavam sempre presentes no dia das pessoas e que contribuíam para uma rede social (que nada tem a ver com as redes sociais de hoje bem entendido)que funcionava e mantinha o espirito de bairro chamemos-lhe assim.
Ainda me lembro de morar na rua Gil Vicente e de manhã bem cedo passar a padeira e o leiteiro a deixarem os respectivos produtos.
Ou de ir a uma mercearia na rua Paio Galvão (em frente ao edificio onde funcionou muitos anos o BPSM) com a minha mãe encomendar os produtos que depois o marçano ia levar a casa.
Hoje todas essas referência desapareceram.
Restam, em boa verdade, os barbeiros e os carteiros.
E no caso dos barbeiros, aquele que motivou este texto, cada vez mais vão aparecendo os salões de cabeleireiros unisexo em detrimento da velha barbearia onde se ia cortar o cabelo e fazer a barba aproveitando para discutir a rua, a cidade e o mundo.
Felizmente Guimarães, com toda a sua tradição histórica, ainda vai mantendo o velho e tipico modelo de barbearia que noutras cidades já é apenas uma saudade.

Joaquim de Freitas disse...

Obrigado pelo cumprimento, Caro Amigo. Sabe que é sempre um prazer escrever no seu espaço de liberdade!
Se soubesse o passeio que vou dar agora, a 2750 metros de altitude! Grande abraço.
Freitas Pereira.

Anónimo disse...

Viva a barbearia Elegante e viva a barbearia Londres!

luis cirilo disse...

Caro Joaquim de Freitas:
Espero que o passeio em altitude tenha corrido bem.
É uma actividade também ela propiciadora de um sentimento de liberdade.
Embora incomparável quem de nós,vimaranenses, não gosta de passear pela "nossa" Penha e desfrutar dos seus encantos e das incomparáveis vistas sobre Guimarães?
Acho que todos gostamos.
Caro Anónimo:
Vivam todas as barbearias de Guimarães já agora

Joaquim de Freitas disse...

Caro Luís Cirilo : Foi a concretização dum desejo muito antigo de voar sem motor: o parapente. Passeio que vou repetir no fim de semana se as condições atmosféricas o permitirem. Como não posso deixar aqui a foto tirada por um dos acompanhadores, deixo-a no facebook. Para um octogenário é uma recordação tardia, mas empolgante! Abraço.

luis cirilo disse...

Caro Joaquim de Freitas:
O meu amigo tem uma capacidade de surpreender inesgotável.
Devo dizer-lhe que ando há muito tempo a pensar em fazer essa experiência porque o parapente é uma forma d evoar que me parece extremamente atractiva.
Pode ser que o seu exemplo, e o prazer que retirou da experiência, seja um contributo para finalmente me aventurar a imitar Icaro.
Mantendo a devida distância do sol é claro.