O meu artigo desta semana no zerozero.
Os jogos entre Vitória e Porto, os dois
maiores clubes do norte de Portugal, tem larga tradição e inúmeras histórias
para contar em volta das peripécias, dos resultados, das rivalidades e de
outros temas que dão ao futebol aquele sabor único que ele possui.
Infelizmente o do próximo sábado, e bem ao
contrário de tantos no passado, não terá nenhum outro interesse que não o de se
esperar um bom jogo de futebol porque não conta para nada em termos
classificativos dado que ambas as equipas tem o seu balanço final perfeitamente
definido.
O Porto é, com toda a justiça, campeão
nacional enquanto o Vitória terá uma classificação decepcionante a meio da
tabela e , portanto, muito longe do que deve ser sempre o seu posicionamento
num campeonato em que não pode ter ambição menos que ficar entre os quatro
primeiros!
Daí o aproveitar esta crónica de hoje para
duas reflexões.
Uma, curta, sobre a justiça na conquista
do título pelo F.C. Porto e outra mais alargada sobre como é a postura dos
“dragões” quando ganham troféus e a forma como se posicionam perante os seus
adversários.
O Porto ganhou o campeonato com toda a
justiça, já o disse atrás, porque foi a melhor equipa, a que melhor futebol
jogou em grande parte da prova e aquela que melhor soube superar as
adversidades próprias das provas de regularidade como o são os abaixamentos de
forma e as lesões.
Creio que há um enorme mérito de Sérgio
Conceição, que desta vez sim surpreendeu pela positiva, quer no fortíssimo
espírito de equipa que implantou, quer na ambição que os seus jogadores puseram
em campo, quer na forma como extraiu um enorme rendimento de jogadores em
relação aos quais havia poucas expectativas de que Marega é seguramente o
melhor exemplo porque foi apenas e só, na minha opinião é claro, o jogador mais
decisivo deste campeonato.
Penso que o Porto começou a ganhar o
título com o “bluff” de Agosto, espalhado aos sete ventos, de que por razões
orçamentais não podia contratar jogadores e por isso apenas registava a entrada
a custo zero do guarda redes Váná vindo do Feirense.
E era verdade.
Mas não era a verdade toda.
Porque discretamente o Porto fez regressar
seis jogadores que tinha a rodar noutros clubes e esses seis jogadores, embora
com niveis de participação diferentes, foram excelentes reforços para o plantel
e seguramente bem melhores do que os reforços contratados pelos seus rivais.
Refiro-me ,como está bom de ver, a Marega,
Aboubakar (os dois melhores marcadores da equipa com mais de vinte golos cada),
Ricardo, Hernâni, Reyes e Sérgio Oliveira
E esses seis jogadores, a que em Janeiro
se juntaria Gonçalo Paciência também regressado de um empréstimo, deram ao
treinador um leque de soluções que se revelaria como decisivo na conquista do
campeonato.
E se no ganhar não se põe em causa o
mérito e a justiça já no saber ganhar há algumas coisas a dizer.
O futebol português vive de há muitos anos
a esta parte uma macrocefalia asfixiante a que por comodismo se convencionou
chamar os três "grandes" e que é composta por Benfica, Sporting e
Porto.
Mas não foi sempre assim.
Em boa verdade, durante quatro décadas do
século passado (do final dos anos 30 ao final dos anos 70) eram apenas dois
clubes que disputavam a supremacia do desporto (não apenas futebol) português:
Benfica e Sporting.
Com domínio inicial do Sporting, décadas
de 40 e 50 muito por força dos "5 violinos", que ao tempo seria o
maior clube português mas depois tudo se transformaria com o momento decisivo
que foi a chegada de Eusébio ao Benfica.
Que fez toda a diferença para os 15 anos
seguintes.
Que foram de grandes vitórias do Benfica,
com as duas taças dos campeões á cabeça, de grandes equipas e grandes exibições
que trouxeram ao clube uma enorme legião de adeptos que lhe permitiu tornar-se
no maior clube português.
E o Porto?
O Porto, que até tinha sido dos primeiros
a ganhar títulos nacionais, vivia numa permanente subalternidade ganhando um
campeonato de vez em quando e umas taças
de Portugal de quando em vez.
É então que, em 1976, se dá no Porto um
facto de importância equivalente à chegada de Eusébio ao Benfica 16 anos antes.
Não através da contratação de qualquer
jogador excepcional mas da tomada de poder interno por uma dupla histórica.
José Maria Pedroto e Jorge Nuno Pinto da
Costa.
Um como treinador e o outro como director
do departamento de futebol.
Os ideólogos do Porto actual mas também do
"portismo" que a seguir definiremos.
O Porto actual conhece-se:
Um clube muitíssimo bem organizado, o
clube com mais títulos nacionais do futebol português (campeonatos, taças e
supertaças) e de longe o clube português com mais títulos internacionais em que
avultam duas ligas dos campeões e duas taças UEFA .
A ideologia que permitiu tudo isso,
lançada por Pedroto e Pinto da Costa e ainda hoje em vigor, é o
"portismo".
Que se caracteriza basicamente por três
premissas:
Criação de um inimigo externo,
preferencialmente os clubes de Lisboa e a imprensa quase toda, que permita unir
as "tropas" e motivá-las para a guerra.
Passagem da ideia que são todos contra o
Porto e que a nível de poder futebolistico(e não só) há uma permanente
conspiração contra o FCP.
O Porto é a bandeira do Norte em
permanente luta contra o centralismo lisboeta e as suas instituições.
Com base nesta ideologia, e numa
organização muito superior há de qualquer outro clube, o Porto vem de há quase
40 anos a esta parte a assumir-se como um clube hegemónico e a ganhar muito
mais competições internas que qualquer outro.
Perguntar-se-á então porque é que a ganhar
há quase 40 anos o Porto não é hoje o maior clube português em termos de
adeptos quando ao Benfica, noutro contexto e noutro regime politico é verdade,
bastou pouco mais de uma década para atingir esse estatuto.
A resposta não é simples mas vou tentar
dá-la em cinco itens:
Em primeiro lugar o Porto não sabe ganhar
com fair play e desportivismo.
Ganha com arrogância, com acinte, sempre
minimizando o adversário e exaltando-se a ele próprio.
È uma postura agradável para os
adeptos,odiosa para os adversários e desagradável para os indecisos que impede
muita gente de aderir ao "portismo".
O Porto não sabe ganhar por si e para si;
tem de ganhar sempre contra alguém!
Em segundo lugar , e claramente dentro da
ideologia do "portismo", o Porto quando ganha não se limita a ganhar.
Ganha contras as conspirações,contra Lisboa, contra a mais diversa espécie de
inimigos nos quais inclui com todo o á vontade os clubes vizinhos renegando
assim qualquer possibilidade de ser a tal "bandeira" do norte.
É um pouco a sindrome da pequena aldeia
gaulesa de Astérix, rodeada de romanos (leia-se lisboetas) por todo o lado e em
que a "poção mágica" é a união dos portistas contra o mundo exterior.
Infelizmente para o FCP esta visão do
mundo é um resíduo do provincianismo que Pedroto tanto quis combater.
Em terceiro lugar manda a verdade que se
diga que o "portismo" e o FCP nunca gozaram dos favores e fretes da
imprensa nacional toda ela ,com raríssimas excepções, devotada à
glorificação do Benfica e do "benfiquismo" e que tratou sempre o
Porto como um clube menor.
E isso, nomeadamente em termos
televisivos, faz diferença.
Em quarto lugar os métodos usados
para ganhar.
Que muitas vezes não são agradáveis,
algumas vezes não são conformes com a verdade desportiva, e indignam muita
gente contra a forma como o Porto usa o poder de que dispõe nas instâncias do
futebol.
Nada que outros não façam mas o Porto
fá-lo com um descaramento despropositado e ainda exibe esse poder como um
troféu de que se orgulha.
E isso afasta todos aqueles que acham que
ganhar é bom mas não a qualquer preço.
Em quinto lugar o "portismo" tem
um intrigante, mas bem vivo,complexo de inferioridade em relação ao Benfica que
não tem reciprocidade por parte do clube de Lisboa.
E isso é patente nos cânticos das claques
(que são o "portismo" no seu estado puro)contra o SLB mesmo quando o
adversário em campo é outro clube qualquer como ainda aconteceu no jogo com o
Feirense em que a certa altura lá vieram os cânticos insultuosos contra o
Benfica.
Estar na festa do título, com o estádio
completamente cheio, e em vez de viverem o momento da sua conquista estarem com
o pensamento na perda do adversário é deprimente, é pequeno, é provinciano.
É profundamente irónico que a forma como o
"portismo" festeja as vitórias sobre o Benfica dê ao adversário, com
a dimensão desses festejos, o estatuto de importância que tanto lhe querem retirar.
O Futebol Clube do Porto é hoje o clube de
maior sucesso no futebol português considerando os últimos quarenta anos.
Mais títulos nacionais, melhor
organização, melhor curriculum internacional.
Mas não é o maior clube português, em
termos de adeptos, nem me parece que
venha algum dia a sê-lo.
Porque o "portismo", afinal a
ideologia que o fez começar a ganhar de forma consistente, ironicamente o
limita a ele próprio fechando-o dentro de uma barricada que lhe limita o
crescimento e cerceia a expansão para fora das "fronteiras" que ele
próprio definiu.
Veremos se um dia a História não definirá
o "portismo" como algo de essencial ao crescimento do FCP mas que
acabou por se transformar no seu mais temível adversário.
Não sei se assim será.
Sei que um dos seus grandes ideólogos já
morreu e o outro caminha para a reforma por força da lei da vida.
E o grande desafio para o futuro,
nomeadamente o futuro pós Pinto da Costa, será saber se o Futebol Clube do
Porto consegue libertar-se do "portismo" e encetar uma nova e
diferente fase, igualmente ganhadora, da sua vida mais que centenária.