“O castigo de Tântalo ficou memorável: um suplício de fome e de sede eternas. Assim, mergulhado em água até ao pescoço, quando Tântalo se debruçava para beber água, esta desaparecia. Para além disso, por cima da sua cabeça pendiam ramos de árvores com frutos saborosos, o vento retirava do seu alcance sempre que tentava chegar-lhes.”
Para os vitorianos o suplício de Tântalo chama-se ano zero!
E é um suplício que os persegue desde há dezasseis anos a esta parte,
com raros intervalos, porque cada vez que
parece que o sucesso veio para ficar logo este dasaparece por si só como
a água ou algum “vento” o faz desaparecer como aos frutos da lenda.
E se refiro apenas este período de dezasseis anos, iniciado com o fim da
longa presidência de António Pimenta Machado, é porque ele corresponde ao fim de
um ciclo incomparável face ao que veio a seguir mas também porque foi nesse
período que o Vitória foi claramente ultrapassado pelo seu rival de sempre que
construiu uma supremacia raramente contrariada e completamente nova face aos
setenta anos anteriores.
Quando Pimenta Machado entrou no seu último mandato, já muito desgastado
pela famigerada questão do “saco azul”e pelo longo tempo de presidência (mais de
vinte anos), aqueles que se lhe opunham em Guimarães, e que iam do poder
político a um grupo de comunicaão social, começaram a construir a imagem
daquele que havia de vir e que faria do Vitória um clube de primeirissímo plano
nacional e quiçá internacional.
Foram dias, semanas, meses ao longo de dois anos de contínuo desgaste da
imagem de Pimenta Machado e de promoção do ungido dos deuses com o qual
chegaria a glória eterna e um sucesso sem fim.
Em 2002/2003 o Vitória ainda resistiu, certamente para desgosto dos
promotores do tal futuro radioso, e conseguiu o “seu”quarto
lugar mas em 2003/2004 já com a casa a arder ficaria por um modestíssimo décimo
quarto lugar que só não foi pior porque Jorge Jesus fez jus ao nome e fez um
pequeno milagre.
Desgastado pelos factores atrás referidos e provavelmente cansado de
guerras, guerrinhas e guerrilhas Pimenta Machado demitiu-se e abriu caminho à
chegada do tal redentor que sectores minoritários no clube tanto trabalharam
para que acontecesse.
E ele chegou.
Com a promessa de um futuro incomparável com o passado (e foi mas
infelizmente no pior sentido) e a certeza de que a irregularidade
classificativa dos últimos anos de Pimenta Machado seria substituída por
conquistas europeias sem quebras.
O primeiro ano até correu dentro do esperado e a equipa ficou em quinto
lugar (atrás do Braga e dos três do costume) com o consequente apuramento
europeu e o crscer das expectativas dos adeptos quanto ao tal futuro de
conquistas intermináveis.
Na época seguinte o Vitória desceu à segunda liga depois de quarenta e
oito anos consecutivos na primeira divisão!
Foi um choque brutal, uma decepção impossível de descrever, porque não
só o descer de divisão era algo de impensável mas também porque a seguir a um
ano bom com o quinto lugar e o apuramento europeu veio um ano horrível que
atirava o clube para o inferno desportivo e financeiro do escalão inferior.
Foi o primeiro ano zero. Ou menos que zero.
Quando na época seguinte o presidente em quem tantas esperanças tinham
sido depositadas resolveu ir embora deixando a equipa em décimo primeiro lugar
na segunda divisão foi o querer dos adeptos, o grande trabalho de Manuel Cajuda
e a coragem de pegar no clube naquelas ciscunstâncias de Emílio Macedo da Silva
que conseguiram o milagre de uma recuperação que permitiu a subida de divisão e
o regresso do Vitória ao seu escalão.
Foi um ano mau que acabou bem com grande alegria pela subida e que teve
uma magnifica sequência em 2007/2008 com a equipa a fazer um terceiro lugar que
só não foi segundo porque especialmente nos últimos jogos as arbitragens não o permitiram.
Terceiro lugar e apuramento para o playoff da Champions, primeira
equipa fora do Porto ou de Lisboa a chegar à prova milionária, que só não deu
fase de grupos porque em Basileia um salteador de bandeirola na mão não o
permitiu.
Parecíamos no bom caminho mas o oitavo lugar no final dessa época
remeteu-nos para outro ano sem Europa ou seja outro ano zero em termos de
percurso de conquistas e estabilidade em lugares cimeiros.
Em 2009/2010 um sexto lugar, mais um ano zero pela frente, vendo o
Braga ser vice campeão nacional uma posição que o Vitória nunca atingiu e
começando a adensar-se a convicção de que no plano financeiro as coisas não
estavam a correr nada bem.
Nesse ano houve eleições com duas listas mas 69% dos vitorianos
entenderam dever prosseguir no mesmo caminho.
Em 2010/2011 o regresso ao quinto lugar, uma vez mais atrás do Braga e
dos três do costume, que permitira na época seguinte uma fugaz presença na Liga
Europa onde o Atlético de Madrid facilmente nos eliminou no play off.
No campeonato um sexto lugar e mais um ano zero pela frente que levou
Emílio Macedo da Silva , fortemente contestado pelos associados e com uma
situação financeira em completa derrapagem, a demitir-se e convocar eleições
das quais sairia vencedora a lista encabeçada por Júlio Mendes.
2012/2013 com um plantel fortemente condicionado pelas enormes
dificuldades financeiras traria um desanimador nono lugar no campeonato mas em simultâneo a conquista da Taça de
Portugal frente a um fortíssimo Benfica fruto do grande trabalho de Rui Vitória
na equipa A e de Luiz Felipe na então criada equipa B preparando vários jovens
para subirem ao longo da época à equipa principal.
A Taça valeu Europa, valeu esperança da tal ascensão à estabilidade
europeia, mas valeu também o início de uma política de venda de jogadores que não
foi financeiramente nada compensadora e desportivamente foi francamente má.
Bastará considerar que mal a Taça foi ganha logo se venderam os dois
pontas de lança (Soudani e Baldé) e dois dos jovens (Ricardo Pereira e Tiago Rodrigues)
que mais expectativas criavam nos adeptos quanto à construção de uma excelente
equipa com base na formação e na equipa B.
Na Europa não houve sucesso e no campeonato de 2013/2014 um
desalentador décimo (!!!) lugar substituia, uma vez mais, a esperança por um
ano zero em que seria necessário recomeçar tudo quase do início.
Em 2014/2015 lá veio um quinto lugar, sempre atrás dos agora do
costume, com o reacender da esperança dos vitorianos (provavelmente os adeptos
com mais fé em todo o mundo) em que desta vez é que seria e o Vitória ia mesmo
entrar na trilha do sucesso sem quebras nem hiatos.
Mas como os nosso anos zero correspondem ao suplício de Tântalo, convém
não esquecer, claro que no ano a seguir depois de uma participação europeia sem
história veio outro décimo lugar e a condenação a outro ano zero.
Sempre acompanhado, é claro, pela venda de jogadores sem grande
proveito financeiro e nulo proveito desportivo.
Em 2016/2017 um quase surpreendente quarto lugar (com o habitual
reacender de esperanças) logo seguido de uma nona posição na época 2017/2018 que
nisto de anos zero o Vitória deve ser campeão nacional incontestável.
Em 2018 há eleições onde por curta margem os associados decidem
insistir num caminho que, tal como em 2010, já se percebia estar esgotado.
Finalmente, que o texto já vai longo, em 2018/2019 um quinto lugar
acompanhado pela surpreendente demissão da direcção do clube e da administração
da SAD já perto do final da temporada com algumas consequências para o futuro
próximo.
O apuramento europeu (e o que já se sabe quanto a esperanças) mas
também o planeamento da actual época e o treinador Ivo Vieira já contratado que
foram heranças “forçadas” da actual SAD.
E se a época passada dera Europa é evidente que por força da tradição
esta tinha de dar ano zero.
E deu.
Uma participação europeia em que as exibições foram sempre melhores
que os resultados, mas em que ainda assim o Vitória fez uma digna fase de
grupos, e um campeonato em que o clube tinha tudo para obter uma excelente
classificação mas em que tudo o indica nem o apuramento europeu conseguirá.
Ou seja...ano zero pela frente.
Uma vez mais será preciso recomeçar.
Recomeçar a construir uma equipa (Tapsoba já foi, Edwards dificilmente deixará de ir,
os emprestados não convenceram e há saídas inevitáveis para lá de Miguel Silva)porque
é necessário reforçá-la muito e bem, recomeçar com um treinador diferente
porque Ivo Vieira vai embora, recomeçar a trilhar um caminho que só pode ter o
sucesso como objectivo porque de anos zero estamos todos completamente fartos e
não há paciência para mais desilusões.
Pela primeira vez, depois das inevitáveis heranças de 2018/2019, a SAD
liderada por Miguel Pinto Lisboa terá controlo e capacidade de decisão
absolutas sobre o plantel que vai enfrentar a época de 2020/2021 bem como sobre
o projecto desportivo que sustentará as épocas seguintes.
Terão perante eles a enorme responsabilidade de acabarem com este
ciclo maldito de dezasseis anos de alternância entre anos zero e êxitos
esporádicos lançando o Vitória no caminho dum sucesso que não chegará todo ao
mesmo tempo mas tem de chegar e, mais do que isso, tem de chegar para ficar.
Porque, repito, creio que todos os vitorianos estão fartos do que tem
sido o nosso triste fado nestes anos aqui retratados.
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