Já não é a primeira vez que nestes artigos se refere o perigo para o futebol constituído pelos contentores de dinheiro que em cima dele são despejados por países , empresas e multimilionários (como os oligarcas russos por exemplo) que vem para a modalidade com o fito exclusivo do negócio e sem qualquer interesse no seu desenvolvimento harmonioso.
Quem hoje olhar para alguns dos principais clubes mundiais, do
Barcelona ao PSG, do Real Madrid ao Manchester City, do Arsenal ao Chelsea
constata sem qualquer dificuldade a presença dessa abundância de dinheiro,
proveniente dessas fontes inesgotáveis,
e apercebe-se também de como isso está paulatinamente a desequilibrar
alguns dos principais campeonatos europeus.
Se assim é com os clubes então que dizer das entidades UEFA e FIFA e
da sua característica avidez por dinheiro que as levam a inventar provas, a
fazerem tábua rasa do mérito desportivo ( faz algum sentido a Liga dos Campeões
poder ser ganha por um clube que tenha ficado em terceiro ou quarto lugar no
respectivo campeonato?) a atribuírem prémios com base em critérios comerciais e
não desportivos.
Na FIFA, que é o tema do artigo de hoje, essa tendência vem desde 1974
quando o seu presidente ao longo de treze anos -Sir Stanley Rous- um antigo
futebolista amador e árbitro internacional perdeu as eleições para João
Havelange muito por força dos voto da CAF a quem o dirigente brasileiro
prometeu mais lugares nas fases finais dos mundiais.
E se é verdade que ao longo dos vinte a quatro anos em que presidiu à
FIFA Havelange deu ao futebol uma dimensão global e um mediatismo que até então
não tinha tido é igualmente verdade que foi no seu tempo que o futebol foi
assaltado por negócios estranhos, jorros de dinheiro de proveniência suspeita e
um conjunto de decisões que se desconfiam influenciadas pelo dinheiro e não por
critérios desportivamente admissíveis.
Nomeadamente muitas histórias em volta das escolhas de países para
sediarem as fases finais dos mundiais.
Havelange deixou a FIFA em 1998
e sucedeu-lhe um pirata de muito razoável dimensão, chamado Sepp Blatter,
que não repetindo o que Havelange fizera de bom agravou tudo que ele fizera de
mau exponenciando até limites então insuspeitos todas as desconfianças em torno
dos estranhos negócios da organização durante os desgraçados dezassete anos em
que foi seu presidente.
E assim chegamos à escolha do Catar para sede do Mundial 2022.
Um país com a dimensão do distrito de Beja, com uma população
ligeiramente superior à área metropolitana de Lisboa (cerca de 75% são
emigrantes) , sem qualquer tradição ou entusiasmo pelo futebol, sem um único
jogador que alguma vez tenha tido notoriedade, com um campeonato sem qualquer
interesse e, por último mas muito importante, com um clima absolutamente
impróprio para a prática da modalidade.
Mas é um dos países mais ricos do mundo.
Que com base nessa riqueza está a construir oito magníficos estádios,
dos quais seis (!!!) em Doha a capital do país, inúmeras estruturas
nomeadamente uma linha de metropolitano que ligará todos esses recintos, estradas,
auto estradas e inúmeros edifícios de apoio ao Mundial
Nesse aspecto o Mundial será seguramente um sucesso.
Mas foi também essa riqueza sem fim que se suspeita terá permitido ao
Catar comprar os votos na FIFA que lhe garantiram ser a sede do Mundial de
2022!
Fosse ou não assim o certo é
que o Mundial será lá entre 21 de Novembro e 18 de Dezembro de 2022 e ,
contrariamente ao que sempre aconteceu, não se disputará no início do Verão mas
sim em pleno Outono quase Inverno por força do clima já referido que
impossibilita que no Verão se disputem desportos de alta competição ao ar livre face a temperaturas regularmente acima dos
quarenta graus.
Sendo certo que embora a colossal riqueza tenha permitido que todos os
oito estádios disponham de ar condicionado a realidade é que mesmo com esse
luxo não é possível, sem grave risco para a saúde dos atletas, disputar jogos
nessa época do ano.
E foi assim que em nome do negócio, que não do futebol, a FIFA decidiu
que o Mundial se dispute nas datas referidas e não final de época do futebol
europeu como sempre aconteceu ao longo de sucessivos mundiais.
Terá a vantagem , única, de os jogadores estarem mais “frescos” com
poucos jogos nas pernas ao contrário do que acontecia noutros mundiais em que
os participantes que disputavam os principais campeonatos europeus chegam ao
mundial a pedir férias.
Mas fora isso vai causar, penso eu, graves transtornos ao futebol
europeu com consequências difíceis de prever a esta distância.
Vejamos: As selecções europeias , entre as quais Portugal assim se
espera (as dos outros continentes também mas são calendários diferentes), para
iniciarem a disputa do Mundial a 21 de Novembro tem de ter um período de
preparação que habitualmente anda nas três/quatro semanas o que significa que
todos os campeonatos com países apurados terão de ser suspensos no final de
Outubro.
Ou seja os campeonatos começam como habitualmente em Agosto, a Liga
dos Campeões e a Liga Europa também (mas nesses casos será menos difícil
resolver), e depois no final de Outubro tudo tem de parar por causa do Mundial
apenas se reatando em Dezembro, na maior parte dos casos, consoante o percurso
de cada selecção sendo certo que aquelas que chegarem a fases mais adiantadas
fazem os respectivos campeonatos correrem o risco de se reatarem apenas em
Janeiro de 2023 por causa do período natalício.
E portanto os clubes ficarão sem competir o mês de Novembro (nalguns
casos também as primeiras semanas de Dezembro) o que trará claros problemas de
planificação da época porque não só terão menos um mês para disputa das competições
internas ,e alguns das europeias, como também terão os jogadores que não forem
ao mundial parados em termos de jogos oficiais.
A solução óbvia será necessariamente estender a época até finais de
Junho de 2023 mas também isso terá impacto nas épocas seguintes como está bom
de ver.
O Mundial de 2022 será não no final da época 2021/ 2022 como seria
normal mas já em plena época 2022/2023 o que significa que terminando a actual
época 2019/2020 ainda haverá mais duas épocas completas antes daquela em que se
disputará o Mundial.
O que significa que há tempo para preparar devidamente as coisas de
molde aos transtornos serem o mais minimizados quanto seja possível.
E é bom que FPF e LPFP estejam bem atentas a essa realidade porque
mais vale prevenir do que remediar.
2 comentários:
No entanto nada mais fácil de resolver no caso português, basta aproveitar para, finalmente reduzir o número de clubes na divisão principal! Reduzindo assim o número de jornadas e os constrangimentos de calendário nesse final de 2022.
Podendo até preencher essas semanas com jogos da taça da liga e as primeiras eliminatórias da taça de Portugal.
Sei que sou radical na redução, neste momento é me difícil conceber o nosso campeonato com mais de 12 equipas! Eu vejo muitos argumentos a favor mas reconheço que há muitos contra que também são válidos.
Para mim pesam mais os a favor...quero um reboot da liga portuguesa com 12 equipas sustentáveis, competitivas, de cidades que apoiem (ou comecem a aprender a apoiar) essas equipas, com direitos televisivos centralizados, arbitragem profissionalizada e isenta de todo o tipo de influência.
Será, para mim, esse o melhor momento!
Depois disso é ver o nosso campeonato crescer e florescer e ir acrescentando equipas conforme esse crescimento o permitir.
Voltando agora à terra, o que acabo de escrever não passa de uma utopia, o que vai acontecer em Portugal é que tudo será feito às 3 pancadas! E na Europa o caminho seguinte será a famigerada super liga europeia em que um, talvez dois dos nossos estarolas irá competir matando o nosso campeonato e todas as aspirações de todas as outras equipas. Por um lado isso é péssimo, por outro poderá forçar o retorno a um futebol mais puro nos campeonatos locais...
Caro Francisco Guimarães:
O problema do nosso campeonato não está no número de equipas.
Está na falta de verdade desportiva e na negociação dos direitos televisivos tal como é feita que favorece três e lesa todos os outros.
Quanto à liga europeia não me importa nada que levem um,dois ou até os três estarolas.
Teríamos ,então sim, um campeonato a sério sem as poucas vergonhas da actualidade.
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