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segunda-feira, agosto 21, 2017

Exigência

O meu artigo desta semana no zerozero.

Quando me comecei  a interessar pelo futebol nos meus seis ou sete anos de idade, ou seja há
meio século atrás, a realidade que o rodeava era diferente em quase todas as perspectivas pelas quais se pudesse encará-lo.
É certo que já havia a mania dos chamados “grandes” que eufemisticamente se dizia serem quatro(Benfica , Sporting, Porto e Belenenses), por serem aqueles que tinham ganho campeonatos, mas que na realidade eram apenas dois – Benfica e Sporting- porque o Porto nesses tempos esteve vinte anos sem ser campeão ( e até então poucos campeonatos tinha ganho) enquanto o Belenenses em bom rigor não contava para nada em termos de titulo porque depois do ganho nos anos quarenta jamais voltaria a terminar um campeonato no primeiro lugar.
E todas as narrativas se construíam em volta desses clubes.
Os jornais desportivos eram quase todos de Lisboa (Bola, Record, Mundo Desportivo) com a honrosa excepção do “Norte Desportivo”, publicavam-se três dias por semana, e enchiam as suas páginas com os dois clubes lisboetas deixando para os outros o pouco espaço que restava e tratando-os com muito pouco rigor.
Os jornais de informação generalista, que eram então muitos mais do que hoje, alinhavam pelo mesmo diapasão embora aqueles que se publicavam no Porto (JN, Primeiro de Janeiro e Comércio do Porto) dessem mais alguma atenção aos clubes nortenhos mas reservando a parte de “leão” para o Futebol Clube do Porto e o Leixões dando muito pouco espaço aos outros.
Em termos de rádio o panorama não era muito diferente, com a programação desportiva a assumir pouca relevância, embora aos domingos com os jogos todos à mesma hora tivessem os relatos em cadeia com os relatadores principais nos jogos dos clubes do costume e dos outros apenas se ouvia a constituição das equipas, os golos e um curto comentário final.
A RTP, única estação televisiva existente, tinha um programa semanal (até dá vontade de rir comparando com a actualidade) chamado “Domingo Desportivo” que emitia ao fim da noite desse dia em  que dava os resultados dos jogos da primeira divisão e os resumos de dois deles.
Escusado será dizer queque a esmagadora maioria desses resumos eram de jogos de Benfica e Sporting, uma vez por outra do Porto e os restantes clubes apenas apareciam quando jogavam com esses clubes.
Ainda hoje me recordo bem, pela excepcionalidade de que se revestiu, quando num desses programas e depois o resumo de um jogo do Benfica com a Cuf o jornalista Alves dos Santos (grande nome do nosso jornalismo desportivo) anunciou o resumo do Barreirense-Tirsense!
Foi um espanto!
Era o que tínhamos.
E dentro do que tínhamos havia um claro proteccionismo aos dois clubes de Lisboa em termos de análise desportiva dos jogos porque a totalidade (ou quase) dos jornalistas eram-lhes afectos e portanto branqueavam despudoradamente todos os favores, fretes e benefícios de que dispunham com total à vontade.
O que em boa verdade também convinha ao regime vigente que usava e abusava do futebol e das grande equipas que o Benfica (mais) e o Sporting (menos) então tinham como forma de propaganda do regime.
Acresce a isto o facto de não tendo então o país as vias de comunicação que tem hoje era muito mais difícil os adeptos acompanharem as equipas porque às distâncias somavam-se as más estradas com todas as dificuldades que isso acarretava em termos de deslocação massiva de pessoas a acompanharem as suas equipas.
Claro que tendo mais adeptos em todo o país do que os outros (o tal atraso cultural de que Portugal não se livra) os dois clubes de Lisboa não sentiam esses problemas porque tinham nos estádios sempre um número significativo de adeptos (muitos dos quais nunca em Lisboa tinham posto os pés) enquanto os outros quando jogavam fora jogavam praticamente sem apoio pelo tal problema das distâncias e das vias de comunicação.
Pese embora me recordar, mesmo nesse tempo, de grandes deslocações de vitorianos a Coimbra, a Aveiro, a S.João da Madeira ou a Tomar.
Passados cinquenta anos quase tudo mudou.
Televisões, redes sociais, internet, auto estradas, estádios com outras condições, horários diferenciados dos jogos, rádios locais, múltiplos programas desportivos nas televisões e rádios, edições diárias dos jornais desportivos, jornais digitais, sites especializados (como o zerozero) , transmissão em directo de quase todos os jogos da Liga (e a caminho de serem mesmo todos) é todo um mundo de coisas diferentes.
Algumas permanecem iguais, infelizmente, como o favorecimento do “sistema” a agora três clubes (o Porto desde a década de oitenta também entrou nesse clubes restrito) , a escandalosa protecção que a comunicação social lhes dá ou os adeptos de sofá que apoiam clubes que nada lhes dizem em termos da suas Terras apenas e só porque ganham mais vezes que os outros!
Mas o resto mudou.
E por isso hoje os adeptos são mais informados, mais exigentes, menos tolerantes com o “produto” que lhes é posto no “prato”.
Seja no jogo jogado, seja nos negócios que o envolvem, seja na cobertura jornalística que é feita em seu redor.
E esse é um problema a que as instâncias do futebol português estão a responder a velocidades diferentes; muito bem a FPF, que hoje está na vanguarda do que melhor se faz a nível de futebol internacional, e muito mal a Liga que se transformou num reduto dos velhos usos e costumes, dos velhos privilégios dos “donos disto tudo”, da vontade mexer no acessório para manter o essencial.
Veremos como se pode(se é que s pode…) conciliar a exigência em crescendo do público com a pouca ou nenhuma vontade reformista de algumas instâncias do nosso futebol da Liga à comunicação social passando pelos clubes.
Uns por acção no sentido de manterem o “status quo” e outros pela omissão dos que calando…consentem!

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