Excepcionalmente transcrevo aqui um artigo saido num jornal.
É do politólogo André Freire e foi publicado no "Público" no dia 31 de Maio de 2010.
Dispensável será explicar as razões porque concordo com o seu teor.
Depois Falamos
Veremos se a classe política consegue elevar-se acima do populismo, a bem da democracia, ou se cede às tentações
Há por aí uma petição que pede uma redução do número de deputados de 230 para 180. Os peticionários alegam razões de natureza "económica", "moral" e "ética". Defendem que a fixação do número de representantes no limite (constitucional) superior (230) resulta de "falta de bom senso político", "oportunismo partidário" e "ignorância sobre o que se passa noutros países". A petição está mal escrita e revela, primeiro, um profundíssimo desconhecimento da matéria; segundo, não têm razão quanto aos argumentos económicos; terceiro, revela uma atitude populista, antipolítica, antipartidos e, no fundo, contra a própria democracia. Vejamos porquê.
Em primeiro lugar, a petição revela um profundo desconhecimento da matéria versada e faz acusações gratuitas que raiam o insulto. Vários estudos têm revelado que o nosso país não tem um número excessivo de deputados, e a imprensa deu abundante eco deles. Por exemplo, Paulo Morais, comparando Portugal com os outros países da UE, demonstrou na revista Eleições (n.º 5, 1999, DGAI-MAI) que o número de deputados é adequado à nossa dimensão populacional; a fazer-se algum ajuste devia ser para 220. Num estudo mais recente (Para uma melhoria da representação política. A reforma do sistema eleitoral, Lisboa, Sextante, 2008), comparando os números médios de eleitores por deputado na câmara baixa de cada país (Portugal versus a UE 27+3), demonstrou-se, mais uma vez, que o número de deputados é adequado à nossa dimensão populacional.
E por que é que o número de deputados é importante para o funcionamento da democracia? Primeiro, por causa da representação territorial, sobretudo das zonas menos populosas. Por exemplo, com o sistema actual, algumas regiões do país têm já muito poucos deputados e, se se reduzisse o seu número para 180, ficariam com menos ainda: Portalegre (2 para 2), Beja (3 para 2), Évora (3 para 3), Bragança (3 para 3), Guarda (4 para 3), Castelo Branco (4 para 3), Açores (5 para 4), Vila Real (5 para 4), Viana do Castelo (6 para 4) e Madeira (6 para 4). Segundo, porque o número de lugares por círculo tem um impacto crucial no nível de proporcionalidade do sistema eleitoral: influencia de forma determinante o pluralismo na representação política. Exemplificando, num círculo com 10 deputados são precisos, em média, cerca de 7,8 por cento dos votos para um partido poder eleger um representante; num círculo com 5 são 13,3 por cento; num com 3 são 18,8 por cento; etc. Portanto, como uma redução do número de deputados levaria a uma diminuição do número de lugares por círculo, isso levaria a menor possibilidade de representação parlamentar dos pequenos partidos, sobretudo nos círculos mais pequenos. Os nossos concidadãos nessas regiões seriam duplamente prejudicados: teriam menos representantes e menos opções viáveis, logo, seriam (mais) constrangidos ao voto útil (nos dois grandes). Isto poderia levar à redução do pluralismo, com custos para a democracia, e a um aumento da abstenção (para os concidadãos que, apesar de constrangidos, não quisessem votar útil...). Se há algum dado seguro da sistemática eleitoral é o de que uma menor proporcionalidade implica menor participação.
Em segundo lugar, economicamente os peticionários não têm razão. Segundo cálculos do politólogo Manuel Meirinho, em quatro anos a poupança com a redução de 50 deputados seria de cerca de 20 milhões de euros (salários e ajudas). Pelo contrário, de acordo com a lei actual e segundo cálculos do mesmo autor, as subvenções aos partidos, grupos parlamentares e campanhas eleitorais (2010-2013) apontam para um valor à volta de 163 milhões de euros. Portanto, com cortes nestas subvenções entre 30 e 50 por cento (consoante as rubricas) poderiam poupar-se cerca de 64 milhões de euros. Aqui sim, há um esforço a fazer: reduzindo os gastos excessivos com as campanhas e as subvenções aos partidos (assim dispensados de procurar apoiantes que, entre outras coisas, contribuam para o seu financiamento...), sem com isso prejudicar a representação dos cidadãos no Parlamento.
Por último, esta petição revela uma atitude antipolítica porque faz da política e dos políticos o bode expiatório de todo os gastos excessivos do Estado (e dos problemas económicos do país). Mas não é verdade: os 20 milhões de euros que se poupariam em quatro anos são uma pequena parcela ao pé dos 22,6 milhões de euros auferidos só em 2009 pelos presidentes executivos das 20 empresas do PSI-20: em quatro anos teríamos mais do quádruplo dos 50 deputados... (cálculos do economista Sandro Mendonça: Visão, 13/5/10). Só os presidentes de EDP, PT, EDP renováveis, Zon e GALP ganharam, em 2009, mais de 10 milhões de euros. Claro que isto são salários pagos em parte pelo sector privado, mas só em parte. Por outro lado, para um país que está no top 3 das desigualdades na UE, por que é que não há uma fiscalidade muito mais (!) progressiva para reduzir estas escandalosas disparidades? Outro exemplo, cada um dos dois submarinos que Portugal vai comprar (de duvidosa utilidade, sobretudo para um país pobre) custa 1000 milhões de euros. Ou ainda: somos dos países que mais gastam com a defesa na UE, mas os gastos militares, em Portugal, continuam sempre a crescer... (ver dados do Stockholm International Peace Research Institute). Ou ainda: a tolerância de dois dias e meio para ver o Papa terá provavelmente custado mais do que os 20 milhões que pouparíamos com menos 50 deputados. E por que é que, apesar de crise, continuamos com a candidatura para organizar o próximo mundial de futebol? Mas estes peticionários estão sobretudo preocupados porque há muitos deputados... o alfa e o omega dos nossos problemas, claro.
É nestas alturas que o Governo representativo pode evidenciar as suas virtudes. Veremos se a classe política consegue elevar-se acima do populismo, a bem da democracia, ou se, pelo contrário, cede às tentações de agradar à populaça.
André Freire
Politólogo, ISCTE-IUL
É do politólogo André Freire e foi publicado no "Público" no dia 31 de Maio de 2010.
Dispensável será explicar as razões porque concordo com o seu teor.
Depois Falamos
Veremos se a classe política consegue elevar-se acima do populismo, a bem da democracia, ou se cede às tentações
Há por aí uma petição que pede uma redução do número de deputados de 230 para 180. Os peticionários alegam razões de natureza "económica", "moral" e "ética". Defendem que a fixação do número de representantes no limite (constitucional) superior (230) resulta de "falta de bom senso político", "oportunismo partidário" e "ignorância sobre o que se passa noutros países". A petição está mal escrita e revela, primeiro, um profundíssimo desconhecimento da matéria; segundo, não têm razão quanto aos argumentos económicos; terceiro, revela uma atitude populista, antipolítica, antipartidos e, no fundo, contra a própria democracia. Vejamos porquê.
Em primeiro lugar, a petição revela um profundo desconhecimento da matéria versada e faz acusações gratuitas que raiam o insulto. Vários estudos têm revelado que o nosso país não tem um número excessivo de deputados, e a imprensa deu abundante eco deles. Por exemplo, Paulo Morais, comparando Portugal com os outros países da UE, demonstrou na revista Eleições (n.º 5, 1999, DGAI-MAI) que o número de deputados é adequado à nossa dimensão populacional; a fazer-se algum ajuste devia ser para 220. Num estudo mais recente (Para uma melhoria da representação política. A reforma do sistema eleitoral, Lisboa, Sextante, 2008), comparando os números médios de eleitores por deputado na câmara baixa de cada país (Portugal versus a UE 27+3), demonstrou-se, mais uma vez, que o número de deputados é adequado à nossa dimensão populacional.
E por que é que o número de deputados é importante para o funcionamento da democracia? Primeiro, por causa da representação territorial, sobretudo das zonas menos populosas. Por exemplo, com o sistema actual, algumas regiões do país têm já muito poucos deputados e, se se reduzisse o seu número para 180, ficariam com menos ainda: Portalegre (2 para 2), Beja (3 para 2), Évora (3 para 3), Bragança (3 para 3), Guarda (4 para 3), Castelo Branco (4 para 3), Açores (5 para 4), Vila Real (5 para 4), Viana do Castelo (6 para 4) e Madeira (6 para 4). Segundo, porque o número de lugares por círculo tem um impacto crucial no nível de proporcionalidade do sistema eleitoral: influencia de forma determinante o pluralismo na representação política. Exemplificando, num círculo com 10 deputados são precisos, em média, cerca de 7,8 por cento dos votos para um partido poder eleger um representante; num círculo com 5 são 13,3 por cento; num com 3 são 18,8 por cento; etc. Portanto, como uma redução do número de deputados levaria a uma diminuição do número de lugares por círculo, isso levaria a menor possibilidade de representação parlamentar dos pequenos partidos, sobretudo nos círculos mais pequenos. Os nossos concidadãos nessas regiões seriam duplamente prejudicados: teriam menos representantes e menos opções viáveis, logo, seriam (mais) constrangidos ao voto útil (nos dois grandes). Isto poderia levar à redução do pluralismo, com custos para a democracia, e a um aumento da abstenção (para os concidadãos que, apesar de constrangidos, não quisessem votar útil...). Se há algum dado seguro da sistemática eleitoral é o de que uma menor proporcionalidade implica menor participação.
Em segundo lugar, economicamente os peticionários não têm razão. Segundo cálculos do politólogo Manuel Meirinho, em quatro anos a poupança com a redução de 50 deputados seria de cerca de 20 milhões de euros (salários e ajudas). Pelo contrário, de acordo com a lei actual e segundo cálculos do mesmo autor, as subvenções aos partidos, grupos parlamentares e campanhas eleitorais (2010-2013) apontam para um valor à volta de 163 milhões de euros. Portanto, com cortes nestas subvenções entre 30 e 50 por cento (consoante as rubricas) poderiam poupar-se cerca de 64 milhões de euros. Aqui sim, há um esforço a fazer: reduzindo os gastos excessivos com as campanhas e as subvenções aos partidos (assim dispensados de procurar apoiantes que, entre outras coisas, contribuam para o seu financiamento...), sem com isso prejudicar a representação dos cidadãos no Parlamento.
Por último, esta petição revela uma atitude antipolítica porque faz da política e dos políticos o bode expiatório de todo os gastos excessivos do Estado (e dos problemas económicos do país). Mas não é verdade: os 20 milhões de euros que se poupariam em quatro anos são uma pequena parcela ao pé dos 22,6 milhões de euros auferidos só em 2009 pelos presidentes executivos das 20 empresas do PSI-20: em quatro anos teríamos mais do quádruplo dos 50 deputados... (cálculos do economista Sandro Mendonça: Visão, 13/5/10). Só os presidentes de EDP, PT, EDP renováveis, Zon e GALP ganharam, em 2009, mais de 10 milhões de euros. Claro que isto são salários pagos em parte pelo sector privado, mas só em parte. Por outro lado, para um país que está no top 3 das desigualdades na UE, por que é que não há uma fiscalidade muito mais (!) progressiva para reduzir estas escandalosas disparidades? Outro exemplo, cada um dos dois submarinos que Portugal vai comprar (de duvidosa utilidade, sobretudo para um país pobre) custa 1000 milhões de euros. Ou ainda: somos dos países que mais gastam com a defesa na UE, mas os gastos militares, em Portugal, continuam sempre a crescer... (ver dados do Stockholm International Peace Research Institute). Ou ainda: a tolerância de dois dias e meio para ver o Papa terá provavelmente custado mais do que os 20 milhões que pouparíamos com menos 50 deputados. E por que é que, apesar de crise, continuamos com a candidatura para organizar o próximo mundial de futebol? Mas estes peticionários estão sobretudo preocupados porque há muitos deputados... o alfa e o omega dos nossos problemas, claro.
É nestas alturas que o Governo representativo pode evidenciar as suas virtudes. Veremos se a classe política consegue elevar-se acima do populismo, a bem da democracia, ou se, pelo contrário, cede às tentações de agradar à populaça.
André Freire
Politólogo, ISCTE-IUL
Quem é que permite que os administradores dessas empresas não paguem uma taxa de IRS digna sobre aquilo que ganham?
ResponderEliminarQuanto aos submarinos esse senhor demonstra um total desconhecimento sobre o Território Nacional, sobre o estado das Forças Armadas, sobre a segurança nacional, caso contrário sabia que os submarinos são mais que necessários. Talvez não seja bom para algumas pessoas, mais protecção e possibilidade de detecção de certas coisas não é bem vindo em Portugal.
Quanto aos políticos estarem a ser bodes expiatórios, o senhor que escreveu o artigo devia dizer quem acha que é culpado da situação que o pais se encontra, talvez na ideia dele seja o contribuinte, principalmente os pobres e os da classe média. Esta ultima deve ser casos raros em Portugal devido ás politicas de alguém...
Quanto ás regiões que vão perder deputados, será que esses deputados sabem que estão la em representação dessa região? Duvido...
Como este texto bem relata, o problema não está no dinheiro mas sim na qualidade (ou falta dela!) de alguns dos "actores", e este só se resolve com uma profunda alteração dos critérios de representatividade que têm vindo a ser utilizados pelos partidos.
ResponderEliminarAí sim, está o busílis...
Caro Anónimo:
ResponderEliminarConcordo consigo na questão dos submarinos.
Tem tudo a ver com soberania.
QUanto ao resto uma coisa é termos uma opinião negativa sobre os politicos que nos representam e outra,bem diferente,é em nome disso querermos diminuir orgãos fundamentais da vida democrática.
Porque os maus politicos mudam-se.
Mas a democracia não se substitui.
Caro Ricardo:
Creio que bastará a alteração da lei eleitoral,com a introdução dos circulos uninominais,para a qualidade dos representantes melhorar de imediato.
Será então mais fácil separar o trigo do joio e "eliminar" aqueles que passam a vida a ser eleitos escondidos nas listas e sem que nunca se possa aferir da sua qualidade,trabalho e empenho.