Há alguns,bastantes para sermos precisos,anos atrás era frequente percorrer de automóvel a Estrada Nacional nº1 entre Porto e Lisboa.
Era um tempo em que a autoestrada ,no sentido Norte-Sul, acabava nos Carvalhos e recomeçava em Aveiras de Cima já ás portas de Lisboa.
E nessas viagens cruzei-me inúmeras vezes com peregrinos que se dirigiam a Fátima.
Especialmente em Maio e Outubro.
De dia,de noite,com bom ou mau tempo,lá os via encaminharem-se (alguns penosamente) para o local da sua devoção movidos por algo que não se quantifica nem mede.
A Fé.
E eu,que nessa matéria já tive melhores dias, sentia um profundo respeito por essas pessoas que com grande sacrifício pessoal,correndo riscos de vária ordem, metiam literalmente pés ao caminho para darem sequência a convicções intimas extraordináriamente respeitáveis.
Depois com o fecho da autoestrada deixei de conviver com essa realidade.
E de me cruzar com os peregrinos na estrada.
Ás vezes,aqui e ali,continuo a vê-los passar.
Seguramente alguns do passado mas muitos de novas gerações.
Que num tempo de materialismo exacerbado continuam a mover-se por valores que não são do domínio do material.
Conheço casos exemplares de pessoas que fazem esse percurso de centenas de quilómetros todos os anos.
Movidos por uma Fé que não diminui nem se deixa abalar.
Num tempo em que Igreja católica, e muito especialmente a sua hierarquia,vivem momentos difíceis é para mim claro que é na Fé dos crentes que continua a residir muito do futuro da sua Igreja.
Afinal já assim é desde as catacumbas.
Depois Falamos
Há três anos, aquando duma visita a Portugal, decidi passar pelos Pirineus, exactamente pela estrada que passa no desfiladeiro de Ronceveaux , onde se travou a famosa batalha entre os Sarracenos e Rolando, dotado da famosa espada Durendal, protegendo a retaguarda do exército de Carlos Magno que retirava para França.
ResponderEliminarEsta estrada vem do Maciço Central , do Puy -en-Velay, um dos pontos de partida da peregrinação secular a Santiago de Compostela, que, como se sabe, substituiu a peregrinação a Jerusalém , depois desta cidade ter sido ocupada pelos muçulmanos de Saladino.
Entre Pau e o desfiladeiro já se viam grupos de peregrinos, a pé, claro está, com o tradicional bastão e a mochila às costas.
Uma hora de automóvel! Curvas e mais curvas até chegar lá acima ! E durante todo o caminho, lá iam eles , os peregrinos, alguns a cantar, vindos de vários países da Europa, como o constatei em seguida.
No desfiladeiro, vê-se o Mosteiro que serviu e serve de repouso e tratamento dos pés dos peregrinos e o monumento da famosa batalha de Roncevalles !
Depois de ter visitado o conjunto secular, e alguns metros de pois de sair do parking, na minha viagem para Portugal, vi uma senhora de pelo menos 70 anos que avançava lentamente. Parei o carro e perguntei-lhe se ela desejava que a avançasse um pouco, pelos menos até ao fundo do vale que leva a Pamplona. Não nos compreendemos imediatamente porque lhe falei em Francês. Depois em Inglês e finalmente foi em Alemão, porque a senhora era Alemã.
Ela respondeu-me “ Nein, porque sou peregrina e vou a pé até Compostela ! No momento em que ela me falava, olhei para a tabuleta do outro da estrada e li : “ Santiago de Compostela >>> 735 km.” Perguntei : “ Quando pensa lá chegar ? Daqui por 60 dias ! Boa viagem, minha Senhora !
Ao longo da viagem, o caminho de Santiago serpenteia entre campos, flirtando com a estrada nacional.
Mesmo depois de apanhar a auto-estrada que me traria até Verin e Chaves, via de vez em quando, ao lado, na nacional, grupos de peregrinos que seguiam o caminho de Compostela. Mas mesmo quando chegassem a Verin teriam ainda de atravessar a região de Leon , antes de chegar ao santuário.
Quando via os peregrinos de Fàtima, depois do Porto, pois que também os vi, pensava sempre que era preciso ter muita Fé e necessitar de muita ajuda na vida para fazer uma tal viagem.
No caminho de Compostela, levei um bocadinho mais longe a minha reflexão.
Evidentemente, a questão da definição da religião não cessa de se pôr, e em particular aquela que consiste em saber se é necessário defini-la a partir duma experiência subjectiva ( a da Fé – mas como compreender o que é a Fé ? e será o Cristianismo o único modelo possível ? , ou a partir das estruturas sociais que o caracterizam.
Na sua simplicidade linguistica, Fé e Religião, comportam uma infinita complexidade reflectiva.
O maior perigo com as Religiões é quando existe um transferência da sacralidade das igrejas para o Estado.
E tudo o que podemos dizer mais é que é difícil de se desfazer totalmente da Fé. Para a maioria, resta sempre qualquer coisa.
Caro Freitas Pereira:
ResponderEliminarConheço razoavelmente bem esse percurso entre a fronteira francesa e Santiago de COmpostela.
Embora por ele apenas tenha "peregrinado" de automóvel.
E também aí,é bem verdade,vi peregrinos.
No caso os do caminho de Santiago.
Que,pela distância(consoante os percursos)e pela geografia,é uma peregrinação bastante diferente das que levam a Fátima.
Aliás,como sabe seguramente melhor que eu,o caminho de Santiago tem vários percursos na peninsula ibérica e pelo menos dois pontos de travessia dos Pirenéus.
Quanto á Fé creio que ela está presente em todas as grandes religiões.
Cristãos,muçulmanos,hindus e outros todos eles assentam a sua religiosidade na subjectividade da Fé.
Que precisamente por essa subjectividade, e pela interpretação que cada um lhe dá,merece o mais profundo respeito de todos.
QUanto á assumpção da sacralidade pelos Estados esse é de facto um problema que o ´seculo XXI terá de resolver.
Porque os anteriores não conseguiram.