O meu artigo desta semana no zerozero.pt
No início deste mês, e no âmbito do programa de comemoração do Centenário do Vitória Sport Clube, a comissão organizadora do mesmo levou a cabo a realização de uma tertúlia com jogadores do clube dos anos sessenta e princípio dos anos setenta do século passado.
Por um lado fê-lo como uma forma de realçar a importância que essas
décadas, e esses jogadores, tiveram na História do clube mas também pelo que de curioso encerra ouvir falar do que era o futebol cinquenta anos atrás.
Foram convidados dessa tertúlia António Peres (para muitos, nos quais
me incluo, o mais carismático “capitão” de equipa da História do Vitória) ,
Tito (ainda hoje o jogador que mais golos marcou com a camisola vitoriana),
Manuel Pinto (internacional A ao serviço do Vitória nos anos 60) e Rodrigues
(um dos melhores guarda redes vitorianos de sempre) e ouvi-los falar durante
quase três horas foi uma verdadeira lição de vitorianismo mas também do que era
o futebol no tempo deles.
Os salários que recebiam, a famigerada “lei da opção” que tantas
carreiras prejudicou, as longuíssimas viagens para disputarem jogos do
campeonato num tempo em que não havia auto estradas, as arbitragens , os
balneários com parcas condições, os equipamentos que nada tinham a ver com os
de hoje, as botas com travessas cujos pregos por vezes feriam os pés, a
medicina desportiva rudimentar, o peso das bolas, os pelados onde as quedas
significavam esfoladelas de diferentes graus de gravidade, o ostracismo a que a
imprensa votava os clubes de fora de Lisboa, a raridade de à selecção ir alguém
que não fosse do Benfica, do Sportng e mais remotamente de Porto e Belenenses.
E depois a memória dos grandes jogos, da intensa rivalidade com alguns
clubes, da forma como o Vitória perdeu finais de taça (Peres e Pinto jogaram a
de 1963 enquanto Rodrigues e Tito
participaram na de 1976 furtada ao Vitória por Garrido com o produto do furto a
ser entregue ao Boavista) e do confronto com os grandes jogadores da altura
como Eusébio, Torres, Matateu, Coluna e vários outros que jogavam nos clubes
tradicionalmente campeões nacionais.
Da conversa, e das muitas perguntas feitas pelo público, resultaram
inevitáveis comparações com os tempos actuais em muitos dos aspectos que
envolvem o futebol tendo sido uma opinião largamente abrangente que os
futebolistas desse tempo, muito por força também das mentalidades, obrigações e
falta de condições então existentes tinham uma entrega, uma generosidade e uma
capacidade de sacrifício que são impensáveis nos tempos de hoje em que o
profissionalismo traz imperativos que eram há cinquenta ou sessenta anos
completamente inimagináveis.
E uma das razões para isso era o respeito que os jogadores tinham
pelos seus clubes, mesmo quando estes os tratavam de forma injusta e imerecida
(nomeadamente não os deixando sair para ganharam mais precisamente com base na
tal lei da opção) , e pelos adeptos que sem alguns “preciosismos” dos tempos
actuais eram infatigáveis no apoio às equipas e aos jogadores a quem
reconheciam o tal brio insuperável.
Para lá do facto de no Vitória e em Guimarães haver uma capacidade
muito especial para receber os que vinham de fora e fazerem-nos rapidamente
sentirem-se em casa como se fossem naturais da Terra e nunca dela tivessem
saído.
E todos os quatro são excelentes exemplos disso.
António Peres é natural de Gaia mas veio do Benfica para o Vitória;
Manuel Pinto é natural do Montijo e veio igualmente do Benfica; Tito é natural
de Lisboa e veio do União de Tomar e Rodrigues é natural de Évora e veio do
Lusitano daquela cidade, tendo todos eles ficado a residir em Guimarães depois
de terem terminados as respectivas carreiras.
E ao ouvir estas quatro lendas vitorianas, quatro homens que deram
tudo na defesa da camisola vitoriana, quatro profissionais que puseram sempre o
interesse do clube à frente dos seus interesses pessoais tornou-se inevitável
uma reflexão , em abstracto bem entendido, sobre algumas componentes do que é o
profissionalismo de alguns jogadores (não todos) nos tempos que correm em
clubes do primeiro plano do futebol português , europeu e mundial.
Bem pagos, com excelentes condições de treino, com todas as
comodidades e luxos que o dinheiro proporciona, idolatrados a um nível
incomparável face à realidade comunicacional dos tempos correntes, nada lhes
faltando nos clubes, jogando em estádios com relvados magnifícos e balneários
que são autênticos hóteis de 5 estrelas, autênticas “pop stars” , qual é o
“troco” que dão aos seus clubes e aos seus adeptos?
Uma preocupação exacerbada com as suas imagens, os seus penteados, as
tatuagens, os piercings, as jóias e relógios, os carros de luxo, em suma uma
concentração tal na imagem, fruto de egos exacerbados pela vaidade e pelo
consumismo, que admira como ainda conseguem ter tempo para jogarem futebol e
capacidade de se concentrarem no que é realmente importante nas suas
profissões.
Poderá haver aqui algum exagero (há de certeza) porque muitos desses
jogadores obcecados pela sua imagem também jogam, e muito bem nalguns casos,
mas não posso deixar de dizer que todos eles teriam muito a aprender com homens
como António Peres, Manuel Pinto, Tito e Rodrigues.
Esses jogaram a alto nível , com um profissionalismo e uma dedicação
ao clube exemplares, num tempo em que o futebol tinha bem mais razões para se
sentir orgulhoso de si próprio do que aquelas que tem hoje.
Porque com os seus defeitos,alguns já atrás apontados, era mais puro
na sua essência e o centro de tudo estava dentro dos relvados e pelados onde se
jogava e não naquilo que hoje o cerca e quase asfixia.
Outros tempos e outro futebol de que não é possível disfarçar a
saudade.
Sem comentários:
Enviar um comentário