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segunda-feira, março 27, 2017

Presidencialismo

O meu artigo desta semana no site zerozero

Portugal é um país de longa tradição monárquica modelo de regime que durante quase oitocentos anos serviu a Nação e que viria a ser substituído, em 1910, pela República que de lá para cá, ao longo de mais de 100 anos, tem sido a base do nosso sistema político.
Acontece que durante quase metade desse tempo republicano foi passado em ditadura de um só homem o que também ajuda à definição do raciocínio que a seguir explanaremos sobre futebol propriamente dito.
Ou seja a milenar nação portuguesa e as muitas gerações que atravessam quase mil anos de História viveram sempre sobre o anátema do “homem providencial” que mandava, decidia e até pensava pelo colectivo dispensando os cidadãos dessa maçada.
E são hábitos que se enraízam, se transmitem de geração em geração e se tornam muito difíceis de contrariar pese embora serem uma aberração nos tempos que correm em que a liberdade, a democracia e a transparência são cada vez mais valores caros ao comum dos cidadãos.
O futebol, como grande fenómeno social dos últimos 100 anos, não foge em Portugal a essa regra de viver pendurado nos seus homens” providenciais “e mais do que não fugir…cultiva-a de forma cada vez mais intensa.
Tão intensa quanto estranha.
E tal como no sistema politico português (semipresidencial de 1976) em que não existe presidencialismo, como em França nos Estados Unidos em que o presidente está no topo da governação, mas em que das juntas de freguesia ao governo passando pelas câmaras a figura do presidente (ou primeiro-ministro) tem um peso desmesurado também nos clubes desportivos se vive num presidencialismo cada vez mais exacerbado, mais cego, mais contrário aquilo que deve ser a boa governação de uma sociedade desportiva.
Tenho um velho amigo, que segue o desporto português há mais de sessenta anos, que me diz muitas vezes uma frase plena de sabedoria e que é mais ou menos isto.
“…Em Portugal na ditadura os clubes eram geridos em democracia e na democracia são geridos em ditadura. Ditadura dos presidentes…”.
Tem toda a razão e basta olhar à volta para verificar isso.
Descodificando as suas palavras o que ele pretende dizer com este conceito é que antes do 25 de Abril, e na gestão totalmente amadora (no sentido de que não existiam profissionais a gerir os clubes a tempo inteiro) que todos os clubes experimentavam, as decisões directivas eram tomadas em reuniões de direcção depois de amplamente discutidas e ponderadas e sem que o presidente fosse mais que um coordenador dos trabalhos a quem ninguém negava o estatuto de primeiro director mas que era precisamente isso: O primeiro entre iguais!
A que acresce o facto de a chegada à presidência de um clube significava o atingir o topo directivo depois de ter passado por outros cargos, ter sido director em direcções anteriores à sua, conhecer o funcionamento do clube nos seus diversos patamares antes de atingir a presidência.
Não esquecendo que as direcções eram constituídas pelos notáveis da comunidade, que iam para o desporto num espirito de missão a tempo certo e a quem jamais passaria pela cabeça fazerem do dirigismo profissão.
Depois do 25 de Abril as coisas foram-se alterando paulatinamente. 
E se é certo que a profissionalização dos dirigentes passou a corresponder, grosso modo, à cada vez maior exigência do futebol profissional que não se compadece há muito tempo com dirigentes que iam ao clube depois do termo diário da sua jornada profissional é igualmente verdade que no desporto em geral, e especialmente no futebol, se foi “importando” do sistema político esse “presidencialismo” latente na sociedade portuguesa (por força do que atrás se referiu quanto a monarquia e república) em que a figura do presidente se começou a sobrepor cada vez mais aos colectivos a que preside remetendo para a pura subalternidade os restantes dirigentes tão eleitos como ele.
Bastará, uma vez mais, olhar-se em volta para se perceber que assim é.
A par disso, que mina lenta mas inexoravelmente a qualidade dirigente porque cada vez há menos gente que se sujeite a essas formas de autoridade despótica, há outra realidade em desaparição que é a de se chegar a presidente depois de passar por outros escalões directivos e conhecer transversalmente os respectivos clubes.
E se nos presidentes mais antigos do nosso futebol isso ainda aconteceu nas “levas “ mais recentes constata-se que alguns chegaram aos órgãos sociais dos clubes entrando pela “chaminé” ou, quando muito, por alguma” janelita” do sótão ao invés de entrarem pela porta do rés-do-chão e depois subirem paulatinamente os diversos andares.
Quero com isto dizer que boa parte começa logo as funções directivas num clube pela presidência ou por uma vice-presidência sem adquirir os conhecimentos que experiência de exercer outros cargos de menor responsabilidade acarreta e permite, uma vez chegados ao topo, serem presidentes mais completos em termos de saberem o que é a realidade de um clube.
Hoje nos clubes portugueses os presidentes sabem de tudo.
De futebol (alguns até acham saber mais que os treinadores…), de finanças, de marketing, de modalidades desportivas, de património, de segurança, de comunicação, de organização de jogos, de scouting e mais uma infinidade de conhecimentos que tornam lamentável o comité Nobel não atribuir um prémio anual ao dirigismo desportivo português.
É pena tanta sabedoria corresponder a um futebol falido, a clubes carregados de dívidas e passivos vergonhosos, a competições sem verdade desportiva, a um panorama comunicacional carregado de guerrinhas de “alecrim e manjerona”, a constantes e enfadonhas polémicas sem sentido, à concepção do dirigismo desportivo como profissão para a vida e a estádios que com raras excepções são um autêntico deserto de espectadores entre muitos outros exemplos possíveis.
Há excepções?
Uma ou outra mas que não fazem mais do que confirmar a regra.
E a regra é que a presidencialização dos clubes desportivos, e a crença em “homens providenciais” que tudo resolvem, está a levar o nosso futebol para um atoleiro sem saída que trará as mais nefastas consequências a curto/médio prazo para a generalidade dos clubes.

4 comentários:

  1. Rui Saavedra11:28 da manhã

    A propaganda eleitoral já chegou ao futebol. Leu o artigo de opinião de um tal Torrinha no jornal "O Jogo"? Parece-em que o sr. é o destinatário. O Vitória até nos "comentadores" não tem muita sorte. É um clube fadado para não sair da vulgaridade.
    Cumprimentos

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  2. Caro Rui Saavedra:
    Li esse artigo do José João Torrinha como leio regularmente.Umas vezes concordo com ele outras discordo como é normal. Sinceramente não me parece que eu seja o destinatário das criticas que faz embora possa ser como é evidente. Apenas ele saberá. Pareceu-me um artigo justificativo de algumas opções da direcção com que cada vez menos gente se identifica e ele terá sentido a necessidade de ser solidário.
    Não concordo com o dizer que o Vitória está destinado a não sair da vulgaridade.
    De facto embora assolado por alguma vulgaridade, a vários níveis, acredito que o Vitória está destinado a altos voos. Tem é de encontrar o caminho certo.

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  3. Rui Saavedra ignore os comentadores oficiais do 'sistema'. O Vitória pode tentar fazer o mesmo que o boavista e o braga para sair da 'vulgaridade' - termo muito infeliz para definir o patamar competitivo do Vitória - mas se o tentar sofrerá as consequências. O Vitória joga o campeonato que pode jogar. Não é o Vitória sozinho que vai mudar o panorama da Liga. Há 3 clubes que têm recursos financeiros muito acima dos outros. Se as entidades responsáveis não fizerem nada para equilibrar a competição não deve ser o presidente do Vitória, ridicularizando-se nas pontas dos pés, a exigir outra realidade. Para isso já chega a triste figura do presidente do braga: em breve irá pagar a fatura de tentar entrar num campeonato que não é o dele. Já não se lembra como perdeu o primeiro lugar a escassas jornadas do fim. Ele acha mesmo que o porto e o benfica os deixa lá chegar? Só o boavista o conseguiu e todos sabem como... (O braga irá cair na sua realidade quando se esgotarem os milhões ganhos na UEFA nas últimas competições, e irá sofrer grande pressão competitiva porque o seu orçamento irá ficar dependente do sucesso na Liga Europa...). Se o Vitória, um dia, ganhar um campeonato, com o orçamento que nos é possível ter, será certamente de surpresa. Como Vitoriano interessa-me muito mais que o Vitória mantenha a sua 'massa crítica': estádios cheios com participação activa dos adeptos nos eventos do clube e muita juventude a garantir a sua continuidade. Ter uma massa associativa, tão intergeracional tão unida e tão dedicada ao seu clube, não é nenhuma 'vulgaridade'.

    Miguel Silva

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  4. Caro Miguel Silva:
    Apenas uma nota à sua resposta ao Rui Saavedra.
    Para mantermos, e aumentarmos, a nossa "massa crítica" temos de ter no futebol e nas modalidades equipas competitivas e candidatas a troféus. Porque essa "massa crítica" não se "alimenta" só de paixão e está cada vez mais cansada de pagar cotas, lugares anuais, despesas em deslocações e em troca apenas ter incerteza e algum sofrimento para lá de algumas alegrias episódicas

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