Carta a um Engenheiro!

Foto: MP JACOBEU

Caro Fernando Santos:

Peço desculpa, desde já, por não escrever esta carta em Braille que é a linguagem que mais se adequa à forma como ás vezes parece ver o nosso futebol e os nossos jogadores, mas não dominando essa forma de escrita tenho de me restringir à  que sei.

Gostaria de lhe recordar, embora desconfie de que de tal seja conhecedor, que o sucesso de uma selecção como a nossa depende muito da escolha acertada dos jogadores para cada compromisso só depois sendo relevante o trabalho do seleccionador que excepto em fases finais de europeus e mundiais mal tem tempo para preparar a equipa para cada jogo pelo que depende essencialmente da qualidade e do estado de forma de quem convoca.

Portugal tem desde 1996, com excepção do Mundial de França em 1998, marcado presença em todas as fases finais de campeonatos da Europa e do mundo numa série absolutamente invulgar de oito presenças consecutivas e nove em dez oportunidades (faltamos em França muito por força de uma arbitragem vergonhosa num Alemanha-Portugal)o que marca uma ruptura altamente positiva em relação ao que era hábito.

Conseguimo-lo com os treinadores António Oliveira, Humberto Coelho, Luís Filipe Scolari e Paulo Bento.

Mas essencialmente com gerações de notáveis futebolistas.

Ricardo Carvalho, Rui Costa, Deco, Pauleta, Fernando Couto, Vitor Baía, Jorge Andrade,Sérgio Conceição, João Pinto, Maniche, Nuno Gomes, Paulo Sousa, Simão, Costinha, Quaresma, Tiago, Nani entre outros.

A que o talento extraordinário dos "Bola de Ouro" Figo e Ronaldo dava ( e no segundo caso continua a dar) a qualidade extra necessária a superar os desafios mais difíceis.

É uma saga que importa continuar por todas as razões fáceis de enunciar mas também pelo facto de o próximo Europeu ser em França onde reside uma vastissima comunidade portuguesa que bem merece ver a selecção reeditar ( e se possivel superar) a grande prova feita em 1984 debaixo de circunstâncias muito "sui generis".

Para isso há que escolher bem.

E isso significa escolher os melhores independentemente da camisola que vistam.

Até porque a "guarda de honra" a Ronaldo já não é o que foi e a selecção está cada vez mais dependente do seu capitão para vencer os jogos mais decisivos.

Por um lado porque não há tantos futebolistas portugueses talentosos como anos atrás e por  outro porque as convocatórias para a selecção tem sido feitas com critérios altamente discutiveis em que o peso das camisolas e dos empresários se tem frequntemente sobreposto ao talento dos jogadores.

Como foi fácil de constatar naqueles casos bem conhecidos de jogadores que evoluiam nas férias entre muitos outros exemplos possíveis!

Por isso caro engenheiro, e também treinador de futebol, foi com alguma expectativa que acompanhei a sua chegada à selecção.

Pelo curriculo, pela personalidade, pela trajectória profissional esperava uma mudança de rumo no sentido de serem realmente os melhores a vestirem a camisola de Portugal sem qualquer dependência do clube onde jogassem ou dos empresários que os representassem.

Um dos seus primeiros gestos como seleccionador (ir ver o Maritimo-Vitória) reforçou essa esperança mas foi por pouco tempo.

Vieram as convocatórias e, com excepção da louvável recuperação de alguns proscritos por Paulo Bento, foi mais do mesmo. 

Convocados pelo nome, convocados pelo clube onde jogam e deixando de fora alguns que bem mereciam ter integrado as convocatórias.

Depois...bem, depois passei a vê-o acoitado na mesma cadeira do mesmo estádio onde o seu antecessor tanto gostava de ir (consta até que não ia a mais nenhum)e cujo clube proprietário faz gala de jogar com dez ou onze estrangeiros na equipa titular e desprezar os futebolistas portugueses. 

Em bom rigor costuma jogar um que só os tais factores extra qualidade futebolistica fizeram internacional.

E a esperança num tempo diferente quase desapareceu.

A ultima machadada deu-a dias atrás na Póvoa de Lanhoso.

Quando a convite de uma Associação de Invisuais (que são aqueles que não veêm porque não  podem devido a deficiências físicas e não porque não querem devido a outras "deficiências...) e falando com crianças foi por uma delas questionada sobre as razões da não convocação do capitão vitoriano André André.

A que respondeu com a frase que enterrou definitivamente a minha esperança de ver em si um seleccionador muito diferente do seu antecessor.

"E quem tiro?" !!!

Quem tira?

Mas a selecção tem lugares cativos ou para cada jogo são convocados os melhores no momento?

Há quotas por clubes do "sistema"?

Ou o facto de o André jogar no Vitória, que não é do "sistema", impossibilita a sua convocatória pese embora o alto rendimento evidenciado e que mereceu até a sua eleição como segundo melhor jogador da Liga em Outubro/Novembro?

Uma desilusão completa.

A que nem as convocatórias do "prodigioso" Éder, do inexperiente Cédric, ou do "fora de validade" Hélder Postiga conseguiram acrescentar qualquer factor de desânimo extra.

Porque a injustiça em relação a André e a revelação de que o actual seleccionador é mais um que vem mexer no acessório para manter o essencial (outra forma de dizer que mudam as moscas mas a .....é a mesma)já são por si só desilusão bastante.

Por isso caro Fernando Santos espero que apesar de tudo, especialmente por Portugal, pelos portugueses e pelos jogadores, a selecção seja apurada para o Europeu e "rezo" a todos os santos para que a eficiência de Ronaldo se mantenha.

Porque caso contrário acho que não vamos lá.

Quanto a André André, um dos melhores jogadores portugueses da actualidade, terá de esperar por uma inevitável mudança de camisola para poder chegar à selecção que tanto merece.

E aí tenho a certeza que o caro engenheiro resolverá de imediato o terrível problema do "quem tiro?" e encontrará o lugar de André na selecção sem precisar da ajuda miraculosa de um oftalmologista ou de uma qualquer Multiópticas .

E pode ficar tranquilo.

Porque André não é dos que evolui nas férias, não se chama Licá,Josué ou André Almeida, e não deixará ficar mal quem nele confiar.

Pena o tempo que se está a perder e o contributo que podia dar à selecção e não dá.

Mas a culpa não é dele que já fez mais que suficiente para merecer ser convocado.

É mesmo sua caro engenheiro.

Depois Falamos.

P.S. A excelente fotografia de MP Jacobeu é apenas mais uma prova da atenção que os adversários dão a André.

Exactamente a mesma que o caro engenheiro não dá.