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quinta-feira, abril 04, 2013

Futebol e Televisão


Publiquei este artigo na edição de hoje do jornal "O Povo de Guimarães"

Não será novidade para ninguém o afirmar-se que o futebol é a modalidade desportiva mais mediática do planeta e aquela que com mais praticantes conta á escala global num número impossível de quantificar.
Do meu ponto de vista quatro razões essenciais contribuem para isso:
A sua antiguidade, que sem recuarmos a arremedos que dele se praticavam há centenas de anos, remonta a meados do século 19 quando começaram a existir competições regulares em Inglaterra.
A clareza e sobriedade das suas dezassete leis.
A simplicidade da sua prática fácil de comprovar dando uma bola a um grupo de crianças que rapidamente começarão a dar-lhe pontapés e não a jogarem basquetebol, polo aquático, râguebi, andebol ou qualquer outra modalidade com todo o respeito pelas mesmas como é bom de ver.
E a televisão.
Que é facto a grande responsável pela sua divulgação planetária por todas as horas que lhe dedica e pela transmissão para todo o mundo das grandes competições sejam mundiais, europeus, copa américa, taça dos libertadores ou liga dos campeões entre outras.
Não deixa por isso de ser uma ironia, com laivos de crueldade, que a televisão sendo a grande promotora a nível mundial do futebol constitua simultaneamente uma das maiores, senão a maior mesmo, ameaças ao prestígio e popularidade do futebol.
Por três razões globais, digamos assim, mais três muito específicas da televisão que se faz neste país.
Comecemos pelas globais:
Hoje há, indiscutivelmente, excesso de futebol televisionado ao ponto de não ser difícil se a predisposição para isso existir de assistirmos a 24 horas consecutivas de futebol nos diversos canais temáticos mais o que vai dando nos canais generalistas.
É demais.
Com pelo menos dois efeitos diversos.
Por um lado afasta as pessoas dos estádios porque sai muito mais barato assinar um canal (tipo sporttv) e poder assistir a dezenas de jogos num mês do que pagar quotas, comprar lugar anual e comprar bilhetes para ver os jogos fora.
Por outro lado o futebol que nos entra pela televisão dentro todas as semanas, nomeadamente com as transmissões de campeonatos como o espanhol e o inglês, deturpa aquilo que é a realidade média do futebol.
Porque ao contrário do que acontecia nos tempos de Pélé, Eusébio, Cruyff ou Beckenbauer, por exemplo, em que as transmissões televisivas eram muito mais raras hoje podemos ver duas vezes por semana os grandes génios como Ronaldo, Messi, Ibrahimovic, ou Aguero com toda a facilidade.
E eles, as equipas em que jogam e o futebol que protagonizam, são o topo, a excelência da modalidade, aquilo que os futebolistas “normais” (que são os que jogam nos nossos clubes) jamais poderão fazer.
E os adeptos, ao chegarem aos estádios para verem as suas equipas depois de verem transmissões do Barcelona, Real Madrid, Manchester United, Bayern de Munique, etc. vão com termos de comparação impossíveis de igualar pelos “seus” jogadores.
O que leva num primeiro tempo á insatisfação e num segundo ao abandono dos estádios.
A segunda razão global tem a ver com a arbitragem.
Que com uma FIFA agarrada a dogmas do passado e resistindo energicamente á introdução de tecnologias para auxiliarem os árbitros em lances fundamentais tem a sua função cada vez mais dificultada pelos mil e um planos que a televisão oferece de cada lance com quantas repetições forem necessárias.
Eles, árbitros, é que continuam a só ter uma imagem de cada lance e umas fracções de segundo para decidir. Claro que a esmagadora maioria das pessoas não se lembra disso e depois a suspeição não para de aumentar.
A terceira, e cada vez mais preocupante razão global, prende-se com a dependência que a generalidade dos clubes tem perante as receitas televisivas que em muitos casos representam mais de 70% dos respectivos orçamentos anuais.
E então face a isso, e sabendo que no dia em que o “produto” não atingir o universo idealizado pelos accionistas dos canais de televisão estas virar-se-ão inexoravelmente para outros produtos conforme as tendências da moda e a vontade dos anunciantes que são quem paga o futebol televisivo, os clubes ao invés de encontrarem alternativas preferem ensaiar fugas para a frente.
Seja recebendo por antecipação as receitas televisivas de campeonatos vindouros seja promovendo cada vez mais o televisionamento dos jogos indiferentes ao impacto que isso venha a ter em massas associativas e espectadores nos estádios.
As razões “portuguesas” são por demais conhecidas e complementam as globais.
Em Portugal as televisões não promovem o futebol (como faz magistralmente a liga inglesa por exemplo) promovem três clubes.
Com os programas em que só há representantes desses clubes, com os inúmeros directos que fazem dos seus treinos e conferências de imprensa, com a bajulação descarada aos seus dirigentes.
Depois quer nos horários de muitas das transmissões directas quer a (falta de) qualidade de muitos dos comentadores, sempre adeptos dos três clubes sabidos, torna o “produto” futebol quase intragável e gera a revolta em todos aqueles que não gostam dele pela estupida cartilha dos chamados” grandes”.
Finalmente, por hoje, porque as televisões generalistas preferem dar destaque ao campeonato espanhol, inglês ou italiano, á boleia de uns emigrantes que por lá andam do que ao nosso próprio campeonato e aos treinadores e jogadores que cá estão.
Na passada segunda-feira, apenas como exemplo, era mais fácil saber o resultado e ver o resumo do Chelsea-Manchester United do que do Nacional-Vitória!
E quando assim é a morte da galinha dos ovos de ouro é uma certeza anunciada.
Ainda não há data.
Mas já faltou (muito) mais.


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